São Paulo, domingo, 01 de janeiro de 2006

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AMÉRICA DO SUL

Oposição a Evo Morales promete bloquear gasoduto se novo governo barrar exploração de jazida de ferro

Bolivianos ameaçam cortar gás para o Brasil

HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PUERTO SUAREZ E PUERTO QUIJARRO (BOLÍVIA)

Lideranças políticas contrárias ao presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, ameaçam estourar uma crise na fronteira com o Brasil, em Mato Grosso do Sul, se o novo governo não permitir que a iniciativa privada explore uma jazida de minério de ferro em Puerto Suarez, a 10 km de Corumbá (MS). O negócio envolve uma siderúrgica brasileira em construção dentro da Bolívia.
Caso a exploração da jazida sofra veto de Morales em fevereiro, políticos oposicionistas dizem que vão promover manifestações e protestos. O principal deles seria a tomada da estação de compressão do gasoduto Bolívia-Brasil, na fronteira, e o fechamento de válvulas, impedindo que os 24 milhões de m 3 que diariamente passam nos dutos cheguem ao território brasileiro.
Embora não sejam contrários à exportação do gás, políticos locais acham que a tomada da estação chamará a atenção para o protesto, o qual deve incluir ainda o fechamento da fronteira para o tráfego de veículos.
A estratégia é relatada pelo secretário-geral da Prefeitura de Puerto Suarez, Herman Leigue, e pelo secretário de Obras, Roberto Trigo. Eles disseram falar em nome do prefeito Romualdo Hurtado Rodriguez, eleito em janeiro com mandato até 2009 pelo MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária).
"A gente não agüenta mais [a falta de empregos]; e vamos tomar uma atitude radical", disse Trigo.

Suspensão
A licitação para a exploração de 50% da jazida de Mutun -onde estariam 40 bilhões de toneladas de ferro- deveria ter ocorrido no último dia 21, mas foi suspensa. Morales disse que a decisão é do governo atual.
Na terça-feira passada, em Santa Cruz de La Sierra, Morales se reuniu com políticos de Puerto Suarez e região. No encontro, "o presidente eleito confirmou a licitação de Mutun. Disse que não vê nenhum inconveniente [no negócio] e garantiu a segurança jurídica", afirmou o presidente da Câmara de Vereadores de Puerto Suarez, Manuel Chassagnec. Ele disse crer que a licitação ocorrerá na segunda semana de fevereiro.
"Hoje ele [Morales] está fora. No dia 22, estará dentro [do governo], e aí pode mudar. Se isso acontecer, ele vai se dar mal", afirmou Trigo.
O negócio de Mutun interessa ao grupo EBX, do empresário Eike Batista. A empresa constrói desde julho passado uma siderúrgica em Puerto Quijarro, na fronteira com o Brasil, a menos de 15 km de Corumbá, onde tem uma mina de minério de ferro. Foi atraída à Bolívia pela isenção de impostos da zona franca.
A EBX está investindo US$ 155 milhões, segundo o diretor de operação Dalton Nosé. O minério de ferro abastecerá os quatro fornos que devem começar a operar em março. O objetivo é produzir 800 mil toneladas de ferro gusa por ano.
O empresário boliviano Fernando Tuma Gamez, que há 25 anos investe em Puerto Quijarro, afirma que a industrialização de matéria-prima -como o minério de ferro e gás natural- é a solução para acabar com o desemprego. Ele diz que, de 30 mil habitantes na região de fronteira, 20 mil estão sem trabalho.
"Estão tirando o pão da boca de nossos filhos. Há dez anos não havia miséria. Hoje há pessoas no lixão", afirma Leigue, o secretário-geral da prefeitura, referindo-se à saída de matéria-prima não-industrializada. Para ele, a siderúrgica brasileira e a exploração do minério de ferro em Mutun podem gerar empregos.

Lucros
Pelas regras da licitação, segundo Leigue, 20% dos lucros obtidos com a exploração vão para os municípios. Na avaliação da Câmara de Puerto Suarez, isso pode render US$ 6 milhões por ano aos dois municípios.
Cinco empresas estrangeiras, incluindo a EBX, devem disputar o direito de explorar a jazida.
Segundo a empresa brasileira, ao menos 320 empregos podem ser gerados na operação da siderúrgica, além dos 550 já criados na construção.
Entre os empregados estão carvoeiros bolivianos que ainda aprendem a profissão. Ao menos 20 trabalham em 24 fornos construídos ao lado da siderúrgica. O carvão, que começa a ser estocado, vai ser queimado nos fornos.
"Tivemos aula de um mês com um brasileiro", afirmou Francisco Hurtado Marques, 33, responsável pela queima da madeira. Ele disse que ganha o equivalente a R$ 300 por mês e trabalha há dois meses no local.
"A empresa vai registrar todo mundo a partir do dia 1º", afirmou o trabalhador boliviano.


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