São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Religiosos de orientação liberal buscam se contrapor aos cristãos conservadores, que apóiam a reeleição

Cristãos liberais ensaiam oposição a Bush

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os cristãos de orientação liberal tentam se organizar nos EUA para se contrapor a seus adversários do cristianismo conservador, que se fortaleceram politicamente durante o governo George W. Bush.
Mas os religiosos liberais não têm uma liderança forte e estão sem uma bandeira que mobilize o eleitorado contra a reeleição do atual presidente. É o diagnóstico transmitido à Folha por quatro estudiosos do núcleo de pesquisas sobre religião e política da Apsa, sigla em inglês da Associação Americana de Ciência Política.
Uma primeira ressalva sobre as estreitas relações entre Bush e esses grupos designados no meio acadêmico como nova direita cristã: o presidente praticamente deve a eles sua eleição, já que, dos votos dos cristãos conservadores, 88% foram para Bush nas primárias republicanas de 2000. É o que nota Franklyn Niles, da Universidade John Brown, no Arizona.
Bush retribuiu ao se opor ao casamento entre homossexuais e ao obter do Congresso uma lei que limitou o direito ao aborto, diz Andrew Murphy, da Universidade de Valparaiso, em Indiana.
Mesmo assim, o presidente, diz Niles, foi cuidadoso ao evitar ligar a religião à sua política externa. "No Oriente Médio seria desastroso falar em cristianismo", diz.
Outra maneira de relativizar a aparente osmose entre política e cristianismo de direita está nos efeitos práticos da decisão que Bush tomou nas primeiras semanas de governo, ao transferir para entidades ligadas a igrejas parte dos programas sociais financiados com verbas federais.
"O Congresso não liberou todas as verbas desejadas pelo presidente", diz Paul Djupe, da Universidade Denison, em Ohio. Além disso parte do dinheiro foi entregue a comunidades religiosas negras, que em geral não votam no Partido Republicano, diz David Campbell, da Universidade Notre Dame, também em Indiana.
Mas a nova direita cristã sente-se bem representada pelo governo Bush e tentará reelegê-lo.
Já os cristãos adversários de Bush estão desarmados, por mais que façam barulho em seus sites -há os Americanos Unidos pela Separação da Igreja e do Estado e a Rede de Liderança Clerical, que, além de pastores, também reúne padres, rabinos e imãs.
"A comunidade de fé tende a reagir politicamente quando há uma ameaça definida", diz Franklyn Niles. Foi o caso da luta pelos direitos civis nos anos 60.
Agora, no entanto, por mais que haja uma percepção de que Bush favorece bem mais os ricos que os pobres, foram mantidos programas para famílias de baixa renda, e o presidente se colocou a favor da ação afirmativa. Ele foi moderado no conservadorismo.
Ou, conforme Paul Djupe, há um paralelismo entre George W. Bush e Ronald Reagan, nos anos 80. Ambos utilizaram grupos cristãos de direita para se eleger, sem no entanto satisfazê-los plenamente nas mudanças institucionais que eles desejavam.
O que pode agora se tornar uma bandeira conjunta para os cristãos liberais são os efeitos da Guerra do Iraque, devido à morte de centenas de soldados americanos. Antes que a guerra começasse, diz Andrew Murphy, ela despertava uma oposição quase unânime entre os ministros protestantes de orientação liberal.
É problemático, no entanto, afirmar que a objeção à guerra foi compartilhada pelas congregações. Em 1991, Murphy diz que um estudo que ele conduziu mostrou que as congregações não acompanharam seus pastores, que se opunham ao projeto do presidente George Bush (o pai) de expulsar o então ditador iraquiano, Saddam Hussein, do Kuait.
Agora, diz ainda Murphy, "não há certeza sobre o quanto esses cristãos liberais têm influência ou se estruturarão" para influir de forma decisiva nas eleições. Mesmo porque o peso deles no Partido Democrata "nem chega perto do peso que os cristãos conservadores têm com os republicanos".
Há ainda a questão da forma diferenciada com que conservadores e liberais intervêm no debate político. Campbell diz que os liberais são mais reflexivos, menos categóricos que os conservadores (sobretudo pentecostais), que exprimem com um grau quase ingênuo de certeza aquilo que acreditam ser o bem ou o mal.
Essa forma de agir no campo teológico ou político dá a eles uma eficiência que os liberais dificilmente conseguem acompanhar. Paralelamente, o pensamento conservador é sempre mais religioso, enquanto o pensamento liberal está bem mais ligado a formas laicas de atuação social.
A laicidade está na base de uma das novidades políticas que apareceram nos EUA há pouco mais de um ano. Trata-se do Move-on, articulação por meio da internet que levou multidões a passeatas contra a Guerra do Iraque desde o final de 2002.
Foi uma demonstração de força que hoje pode se tornar uma fraqueza para os cristãos liberais. O Move-on é essencialmente laico e é também formado por agnósticos, feministas e minorias sexuais, aos quais os protestantes hesitariam em somar suas forças.



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