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CIÊNCIA
Por meio de testes genéticos, pesquisadores identificam espécie que teria passado vírus ao homem na África
Chimpanzé originou Aids, diz estudo
MARCELO LEITE
especial para a Folha
O mistério da origem da Aids está resolvido. Ela foi passada ao homem por um macaco africano, como se pensava. A surpresa esteve
em descobrir que o agente infeccioso foi o chimpanzé, primata
mais próximo do homem.
A descoberta aumenta a chance
de se encontrar uma cura para a
Aids. Como esses macacos não desenvolvem a doença, estudar o que
ocorre no seu organismo pode dar
pistas importantes sobre como
bloquear a ação do vírus HIV.
Existem hoje 35 milhões de portadores do HIV. São tantos, e tão
espalhados pelo mundo, que a praga é chamada de pandemia, não de
epidemia. A variedade HIV-1 é a
predominante.
A confirmação foi obtida por um
grupo de 12 cientistas norte-americanos, britânicos e franceses.
Chefiando a pesquisa estava Beatrice Hahn, da Universidade do
Alabama (EUA). O trabalho sai
quinta-feira na revista "Nature".
"Eu diria que é uma prova de
99% (de certeza)", disse Hahn à
Folha por e-mail. "Ninguém poderá jamais ter 100% de certeza nesse
gênero de estudos."
Robin Weiss, da Universidade de
Londres, e Richard Wrangham, da
Universidade Harvard (EUA),
concordam. Em comentário sobre
o artigo na mesma edição da "Nature", afirmam que é "a evidência
mais persuasiva até o momento de
que o HIV-1 chegou aos homens
pelos chimpanzés".
Este primata, cujo nome científico é Pan troglodytes, carrega um
vírus semelhante ao HIV. Até o nome é parecido: SIVcpz ("cpz" de
chimpanzé, para diferenciar este
SIV dos de outros macacos africanos). Só essa semelhança, porém,
não podia ser considerada prova.
Em primeiro lugar, havia as outras espécies de macacos com vírus
semelhantes, todos candidatos a
ancestrais do HIV. Depois, os
chimpanzés estavam presentes em
regiões da África onde a Aids não
tinha sido detectada. E pouquíssimos deles são portadores do SIV.
Muitos cientistas duvidavam que
eles fossem a origem da Aids.
O que Hahn e seus colegas fizeram foi pôr ordem na confusão,
com ajuda da genética, e questionar a visão predominante. Há cerca de três meses, convenceram-se
de que estavam na pista certa para
indiciar o Pan troglodytes como
reservatório natural da Aids.
²
Só quatro portadores
A descoberta só foi possível graças a uma fêmea, Marilyn. Ela foi
capturada na África e empregada
anos a fio como reprodutora em
instituições de pesquisa que usam
chimpanzés. Nunca atuou como
cobaia em pesquisas sobre Aids.
Numa varredura rotineira de
amostras de sangue, descobriu-se
que o de Marilyn continha SIVcpz.
Era apenas o quarto exemplar da
espécie a ser identificado como
portador do vírus.
Seguiram-se então meses de decodificação e análise da sopa de letras químicas no material genético
dos vírus. As quatro amostras foram comparadas entre si e com outras do vírus mais frequente da
Aids no homem, o HIV-1.
Dessa comparação resultaram
dois grandes grupos. No primeiro
estavam três dos SIVcpz e todos os
HIV-1, com grau de semelhança
nunca antes encontrado em outros
vírus símios. No outro grupo, uma
única variedade de SIVcpz.
Os pesquisadores decidiram então investigar a quais tipos (subespécies) de chimpanzés pertenciam
os SIVcpz. Descobriram que todas
as três amostras mais semelhantes
ao HIV-1 pertenciam ao mesmo,
justamente o que vive na região da
África em que a Aids é endêmica
(veja mapa abaixo).
A charada estava decifrada. A
análise genética indica também
que a transmissão do macaco para
o homem teria acontecido três vezes, e não uma. Mas não se sabe
quando, provavelmente antes da
década de 40.
Estaria aí a descoberta mais importante relacionada com o HIV,
depois de sua descoberta por Luc
Montagnier e Robert Gallo?
"Seria um exagero (dizer isso). É
importante, mas muitas outras
descobertas são igualmente importantes, como a dinâmica viral, a
estrutura da capa do vírus, o desenvolvimento de drogas, tratamentos etc.", disse Hahn à Folha.
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