São Paulo, segunda, 1 de fevereiro de 1999

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CIÊNCIA
Por meio de testes genéticos, pesquisadores identificam espécie que teria passado vírus ao homem na África
Chimpanzé originou Aids, diz estudo

MARCELO LEITE
especial para a Folha

O mistério da origem da Aids está resolvido. Ela foi passada ao homem por um macaco africano, como se pensava. A surpresa esteve em descobrir que o agente infeccioso foi o chimpanzé, primata mais próximo do homem.
A descoberta aumenta a chance de se encontrar uma cura para a Aids. Como esses macacos não desenvolvem a doença, estudar o que ocorre no seu organismo pode dar pistas importantes sobre como bloquear a ação do vírus HIV.
Existem hoje 35 milhões de portadores do HIV. São tantos, e tão espalhados pelo mundo, que a praga é chamada de pandemia, não de epidemia. A variedade HIV-1 é a predominante.
A confirmação foi obtida por um grupo de 12 cientistas norte-americanos, britânicos e franceses. Chefiando a pesquisa estava Beatrice Hahn, da Universidade do Alabama (EUA). O trabalho sai quinta-feira na revista "Nature".
"Eu diria que é uma prova de 99% (de certeza)", disse Hahn à Folha por e-mail. "Ninguém poderá jamais ter 100% de certeza nesse gênero de estudos."
Robin Weiss, da Universidade de Londres, e Richard Wrangham, da Universidade Harvard (EUA), concordam. Em comentário sobre o artigo na mesma edição da "Nature", afirmam que é "a evidência mais persuasiva até o momento de que o HIV-1 chegou aos homens pelos chimpanzés".
Este primata, cujo nome científico é Pan troglodytes, carrega um vírus semelhante ao HIV. Até o nome é parecido: SIVcpz ("cpz" de chimpanzé, para diferenciar este SIV dos de outros macacos africanos). Só essa semelhança, porém, não podia ser considerada prova.
Em primeiro lugar, havia as outras espécies de macacos com vírus semelhantes, todos candidatos a ancestrais do HIV. Depois, os chimpanzés estavam presentes em regiões da África onde a Aids não tinha sido detectada. E pouquíssimos deles são portadores do SIV. Muitos cientistas duvidavam que eles fossem a origem da Aids.
O que Hahn e seus colegas fizeram foi pôr ordem na confusão, com ajuda da genética, e questionar a visão predominante. Há cerca de três meses, convenceram-se de que estavam na pista certa para indiciar o Pan troglodytes como reservatório natural da Aids.
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Só quatro portadores A descoberta só foi possível graças a uma fêmea, Marilyn. Ela foi capturada na África e empregada anos a fio como reprodutora em instituições de pesquisa que usam chimpanzés. Nunca atuou como cobaia em pesquisas sobre Aids.
Numa varredura rotineira de amostras de sangue, descobriu-se que o de Marilyn continha SIVcpz. Era apenas o quarto exemplar da espécie a ser identificado como portador do vírus.
Seguiram-se então meses de decodificação e análise da sopa de letras químicas no material genético dos vírus. As quatro amostras foram comparadas entre si e com outras do vírus mais frequente da Aids no homem, o HIV-1.
Dessa comparação resultaram dois grandes grupos. No primeiro estavam três dos SIVcpz e todos os HIV-1, com grau de semelhança nunca antes encontrado em outros vírus símios. No outro grupo, uma única variedade de SIVcpz.
Os pesquisadores decidiram então investigar a quais tipos (subespécies) de chimpanzés pertenciam os SIVcpz. Descobriram que todas as três amostras mais semelhantes ao HIV-1 pertenciam ao mesmo, justamente o que vive na região da África em que a Aids é endêmica (veja mapa abaixo).
A charada estava decifrada. A análise genética indica também que a transmissão do macaco para o homem teria acontecido três vezes, e não uma. Mas não se sabe quando, provavelmente antes da década de 40.
Estaria aí a descoberta mais importante relacionada com o HIV, depois de sua descoberta por Luc Montagnier e Robert Gallo?
"Seria um exagero (dizer isso). É importante, mas muitas outras descobertas são igualmente importantes, como a dinâmica viral, a estrutura da capa do vírus, o desenvolvimento de drogas, tratamentos etc.", disse Hahn à Folha.



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