São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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NO BRASIL

Iraquianos dizem que voltariam com paz e a economia em ordem

Violência adia plano de retorno

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mahir Saleh Hussein, 59, é professor titular no Instituto de Física da USP e o mais graduado dos 150 a 250 iraquianos -as estimativas divergem- que imigraram nas últimas três décadas para o Brasil, época da ditadura de Saddam Hussein.
A instalação de um governo provisório em Bagdá é a seu ver um episódio irrelevante. "A transição está sendo feita para favorecer a reeleição de George W. Bush e será politicamente inócua e artificial", diz ele.
Outro iraquiano, Issan Mehan, 41, também de São Paulo, diz que "não vai acontecer nada, porque os americanos têm interesse em sugar ao máximo o petróleo", por meio de regimes com autonomia de fachada.
Faisal Hussein, 57, irmão de Mahir e engenheiro numa empresa paulistana, diz que 50% a 60% de seus compatriotas voltariam hoje ao Iraque, caso houvesse um mínimo de segurança. Não daria esse passo com a mulher e os dois filhos sem o fim dos atentados que tornam a vida no mínimo incerta para seus outros familiares -tem muitos primos e três irmãs em Bagdá.
Ayade al Samari, 42, que mora no interior do Paraná, pensa do mesmo jeito. "Só volto se a situação por lá melhorar. É um país destruído, e por lá a economia não funciona."
Samari diz que o problema não está apenas nos atentados dos insurgentes. Há também as ondas de prisão efetuadas pelos americanos. Um parente seu, relata, foi preso há mais de um ano e até hoje a família não sabe se haverá julgamento.
"As pessoas ficam presas três, seis ou oito meses. Depois são soltas sem que saibam as razões da suspeita", afirma. Adversário da ditadura deposta de Saddam, ele não acredita que a queda do antigo regime seja sinônimo no Iraque de mais liberdade.
Mahir Saleh Hussein não pensa em voltar. Chegou ao Brasil em 1972. Naturalizou-se brasileiro. Ele hoje integra um grupo de expatriados que pressiona para que o ensino superior de seu país de origem volte a funcionar. Aceitaria passar um longo período em Bagdá, mas como professor convidado.
A ditadura acabou, mas a segurança interna está pior, diz ele. Exemplifica com o caso de uma de suas irmãs. Ela trabalhava como engenheira numa instituição de pesquisa sobre energia solar. Perdeu o emprego nos anos 80, depois da prisão do marido, suspeito de simpatias pelo Irã, com o qual o Iraque estava na época em guerra.
Emigrou para a Líbia. Quando os americanos invadiram seu país, tomou fôlego e voltou. Encontrou um emprego de secretária, distante de sua casa. Pediu demissão por causa dos atentados cometidos nas regiões de Bagdá obrigada a atravessar.
"Prefiro morrer de fome a continuar a arriscar a minha vida", desabafou ela a familiares.
O professor da USP doutorou-se nos EUA e, depois de mudar para São Paulo, voltou ao Iraque quatro vezes para visitar familiares, a última delas ainda durante a ditadura.


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