São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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ARTIGO

Perón permanece um enigma 30 anos depois

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Trinta anos após a morte de Perón, em primeiro de julho de 1974, e das maiores honras populares a um chefe de Estado argentino, decifrar o peronismo continua sendo um desafio enfrentado com pouco êxito pelos historiadores.
Versão "argentinizada" do fascismo? Ou fascismo de esquerda? Alguns falam em variante do bonapartismo, outros em feitiço populista com o ornamento da beleza jovem de Eva Perón, ou simplesmente em pai dos "descamisados", como o nosso Getúlio foi o pai dos pobres. Um elo de aproximação entre o peronismo e o getulismo que produziu traumas políticos e mobilizou a diplomacia americana.
Uma biógrafa de Perón, a uruguaia Marisa Navarro, disse que ele era "excessivamente personalista", traço que o colocava num mesmo saco com outros ditadores latino-americanos. Construiu monumentos em sua homenagem, trocou nomes de ruas pelo seu, adorava discursos que o exaltavam etc. Tampouco suportava um mínimo de oposição. Mas teve apoio popular, algo que nem mesmo seus mais ferozes inimigos se dispunham a questionar.
O peronismo foi o maior movimento de massas da América Latina, no qual se confundiam as cabeças de Perón e Evita.
O argentino Jorge Abelardo Ramos, um nacionalista de esquerda, foi às origens. De modo sucinto a crônica é a seguinte. Perón "percebeu" que a industrialização criara um enorme proletariado sem tradição de militância sindical e política, sem relações com as esquerdas tradicionais, uma "nova classe social que se constituía em enorme fator de poder".
Por isso, num dos tantos "bochinchos" que se seguiram à derrubada do presidente Yrigoyen, em 1930, ao "crack" de Wall Street, e à falência do "projeto de hegemonia burguesa" na velha Argentina da classe média, escolheu o Ministério do Trabalho, mobilizou os "descamisados" e assumiu o poder em 1946.
A influência do fascismo ficou clara na adoção de uma "terceira posição", entre o comunismo e o capitalismo. Aliança de classes em vez de luta de classes e divisão da renda nacional, de modo igual, entre capital e trabalho. Não só a elite conservadora se opunha ao peronismo. Também comunistas e socialistas, cujos espaços o peronismo invadiu.
O inglês H.S. Ferris lembra o que ele fez em matéria de salários e Previdência, razão mais forte pela qual a "revolução libertadora", que o derrubou em 1955, não conseguiu desmonta-lo. Voltou ao poder em 1971, por meio de um preposto de Perón, e em 1973 com o próprio Perón.
Ele teve 64% dos votos depositados. Como vice, a segunda mulher, Isabelita, prenúncio do caos, já que se consumiam as resistências físicas de Perón. Com sua morte explodiram as "contradições" entre guerrilheiros, tipo Montoneros, sindicalistas de todos os tipos e gângsteres como Lopez Rega, "El Brujo", que se instalou em palácio em parceria com Isabelita, a herdeira e sucessora de Perón, golpeada em 1976.
O peronismo precisou de 18 anos (de 1955 a 1971) para deixar claro que a Argentina não podia ser governada sem ele e menos de dois (o curto período de Isabelita) para mostrar como se leva um pais à ruína. Foram abertas as comportas para uma ditadura brutal e as crises que resultaram numa tragédia nacional.


Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais.


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