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ARTIGO
Perón permanece um enigma 30 anos depois
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Trinta anos após a morte de Perón, em primeiro de julho de 1974,
e das maiores honras populares a
um chefe de Estado argentino, decifrar o peronismo continua sendo um desafio enfrentado com
pouco êxito pelos historiadores.
Versão "argentinizada" do fascismo? Ou fascismo de esquerda?
Alguns falam em variante do bonapartismo, outros em feitiço populista com o ornamento da beleza jovem de Eva Perón, ou simplesmente em pai dos "descamisados", como o nosso Getúlio foi
o pai dos pobres. Um elo de aproximação entre o peronismo e o
getulismo que produziu traumas
políticos e mobilizou a diplomacia americana.
Uma biógrafa de Perón, a uruguaia Marisa Navarro, disse que
ele era "excessivamente personalista", traço que o colocava num
mesmo saco com outros ditadores latino-americanos. Construiu
monumentos em sua homenagem, trocou nomes de ruas pelo
seu, adorava discursos que o exaltavam etc. Tampouco suportava
um mínimo de oposição. Mas teve apoio popular, algo que nem
mesmo seus mais ferozes inimigos se dispunham a questionar.
O peronismo foi o maior movimento de massas da América Latina, no qual se confundiam as cabeças de Perón e Evita.
O argentino Jorge Abelardo Ramos, um nacionalista de esquerda, foi às origens. De modo sucinto a crônica é a seguinte. Perón
"percebeu" que a industrialização
criara um enorme proletariado
sem tradição de militância sindical e política, sem relações com as
esquerdas tradicionais, uma "nova classe social que se constituía
em enorme fator de poder".
Por isso, num dos tantos "bochinchos" que se seguiram à derrubada do presidente Yrigoyen,
em 1930, ao "crack" de Wall
Street, e à falência do "projeto de
hegemonia burguesa" na velha
Argentina da classe média, escolheu o Ministério do Trabalho,
mobilizou os "descamisados" e
assumiu o poder em 1946.
A influência do fascismo ficou
clara na adoção de uma "terceira
posição", entre o comunismo e o
capitalismo. Aliança de classes em
vez de luta de classes e divisão da
renda nacional, de modo igual,
entre capital e trabalho. Não só a
elite conservadora se opunha ao
peronismo. Também comunistas
e socialistas, cujos espaços o peronismo invadiu.
O inglês H.S. Ferris lembra o
que ele fez em matéria de salários
e Previdência, razão mais forte
pela qual a "revolução libertadora", que o derrubou em 1955, não
conseguiu desmonta-lo. Voltou
ao poder em 1971, por meio de um
preposto de Perón, e em 1973 com
o próprio Perón.
Ele teve 64% dos votos depositados. Como vice, a segunda mulher, Isabelita, prenúncio do caos,
já que se consumiam as resistências físicas de Perón. Com sua
morte explodiram as "contradições" entre guerrilheiros, tipo
Montoneros, sindicalistas de todos os tipos e gângsteres como
Lopez Rega, "El Brujo", que se
instalou em palácio em parceria
com Isabelita, a herdeira e sucessora de Perón, golpeada em 1976.
O peronismo precisou de 18
anos (de 1955 a 1971) para deixar
claro que a Argentina não podia
ser governada sem ele e menos de
dois (o curto período de Isabelita)
para mostrar como se leva um
pais à ruína. Foram abertas as
comportas para uma ditadura
brutal e as crises que resultaram
numa tragédia nacional.
Newton Carlos é jornalista e analista de
questões internacionais.
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