São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

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ARTIGO

Não devemos queimar etapas

DOMINIQUE DE VILLEPIN
ESPECIAL PARA O ""LE MONDE"

Confrontada com a crise iraquiana, a comunidade internacional vive um momento decisivo de sua história. Cada país deve assumir suas responsabilidades. Mais do que nunca, a França está decidida a manter um rumo claro.
Sim, o Iraque constitui uma ameaça potencial à segurança regional e internacional. Sim, a luta contra a proliferação das armas de destruição em massa é essencial para nosso futuro. Sim, o Iraque desafiou a comunidade internacional ao dissimular os programas ligados a essas armas.
Diante disso, nosso dever é aliar firmeza a lucidez. A mobilização na luta contra o terrorismo já permitiu obter resultados. Com relação ao Iraque, devemos renovar essa unidade em torno de uma vontade comum: a luta contra a proliferação das armas de destruição em massa. É essa a prioridade. A França não nutre complacência por Bagdá, mas uma ação que tivesse por objetivo uma mudança de regime contradiria todas as regras do direito internacional.
Após discurso do presidente George W. Bush em que ele reconheceu o papel primordial da ONU, a discussão pôde ser retomada nesse âmbito, onde se chegou a um consenso amplo.
Diante de tal unidade, Bagdá anunciou que aceitaria o retorno incondicional dos inspetores internacionais. Seu trabalho deve levar à eliminação de todas as armas de destruição em massa e impedir qualquer rearmamento futuro. Não nos esqueçamos de que um número maior dessas armas foi destruído pelas inspeções realizadas entre 1991 e 1998 do que durante a Guerra do Golfo.
O perigo representado pelo Iraque ameaça todos os povos, sobretudo os do Oriente Médio. É com eles que poderemos achar uma solução durável. Esses países avisaram que apoiarão uma ação que for decidida pela ONU. Devemos ouvir a mensagem.
Hoje todas as atenções estão voltadas às discussões que terão lugar no Conselho de Segurança (CS). O processo proposto pelo presidente Jacques Chirac permite preservar a unidade da comunidade internacional, determinar a legitimidade da ação e satisfazer a nossa exigência de eficácia. O Iraque deve respeitar as normas da ONU; se se recusar a fazê-lo, então será o caso de levar o fato às últimas consequências.
Assim, é preciso chegar a um entendimento, dentro do CS, sobre um regime de inspeções que garanta que os inspetores possam exercer sua missão integralmente. Na hipótese de o regime iraquiano violar essas obrigações, caberia ao CS agir. Não devemos queimar etapas. Não queremos dar carta branca a uma ação militar porque queremos assumir nossa responsabilidade até o fim.
A França compartilha o desejo dos EUA de resolver a crise. Mas ela rejeita o risco de uma intervenção que não leve plenamente em conta todas as exigências da segurança coletiva. Além da crise, são os princípios fundamentais da comunidade internacional que estão em jogo: estabilidade, equidade, responsabilidade.
A estabilidade continua a ser uma exigência estratégica. Se o desarmamento iraquiano constitui um imperativo, ele deve ser feito em condições que reforcem a ordem internacional, sem somar novos fatores de desordem a uma região que já os tem demais.
A equidade é o segundo pilar da paz. No contexto da urgência e da interdependência que marcam nossa época, a injustiça criou a revolta, a revolta da desordem, e a desordem gerou a violência, segundo um ciclo infernal que repercute de país em país, região após região, continente após continente. No momento em que a comunidade internacional quer resolver o problema do desarmamento iraquiano, ela deve voltar o mesmo olhar para crise do Oriente Médio para poder encontrar o caminho da solução.
A responsabilidade coletiva constitui, enfim, uma necessidade moral e política. Moral, porque as democracias perdem o sentido se não respeitam no exterior os princípios nos quais se baseiam em seus próprios países. Política, porque apenas decisões tomadas de maneira coletiva possuem a legitimidade necessária a uma ação em profundidade, coerente e eficaz. A força só pode constituir um último recurso.


Dominique de Villepin é chanceler da França

Tradução de Clara Allain


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