São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

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UCRÂNIA

Apesar da popularidade internacional, Yushchenko enfrenta sérios problemas internos nove meses após eleição

Revolução Laranja ganha sabor amargo

ANDREW OSBORNE
DO "FINANCIAL TIMES"

O presidente ucraniano Viktor Yushchenko será recebido com festa pela rainha Elizabeth 2ª em Londres, no mês que vem. Por seu papel na Revolução Laranja, em 2004, que pôs fim a uma década de autoritarismo, receberá do Real Instituto de Assuntos Internacionais o Chatham House, prêmio pela "mais significativa contribuição para a melhora das relações internacionais".
O político veterano acostumou-se a aplausos internacionais desde dezembro, quando reverteu uma eleição manipulada ao levar milhares de manifestantes às ruas e derrotou depois o rival em novo pleito. A revista "Time" o pôs na lista de cem pessoas mais influentes do mundo e ele teve substancial reconhecimento nos EUA.
Poucos dos líderes de antigas repúblicas soviéticas têm a chance de disputar o Nobel da Paz, como ele este ano. No entanto, Yushchenko parece ser vítima do mesmo problema que atingiu um passado vencedor do Nobel da Paz, Mikhail Gorbatchov, admirado no Ocidente por pôr fim ao comunismo de maneira pacífica mas desprezado em seu país.
Na Ucrânia, muitos já começam a acusar Yushchenko de trair os ideais da revolução que liderou. Alega-se que ele deixou de prestar atenção aos problemas nacionais e simplesmente substituiu uma elite corrupta por outra. Diz-se que ele fez amizade com as pessoas que combatia e não se distanciou o bastante dos métodos soviéticos do predecessor Leonid Kuchma. Os críticos acham que a revolução não dá sinais de que vá cumprir as promessas iniciais.
A Anistia Internacional entrou ontem na lista de críticos, com relatório que o acusa de não fazer o suficiente para impedir a tortura e a brutalidade policial.
Mais que as conclusões da Anistia, o que deve preocupar Yushchenko é o desencanto que aflige muitos de seus partidários. O principal problema é que o "governo laranja" deixou de existir. Na primeira semana de setembro, o presidente demitiu o ministério inteiro, depois que membros de seu gabinete começaram a se acusar mutuamente de corrupção.
A vítima mais notória foi a carismática mas controversa primeira-ministra Julia Tymoshenko. Os analistas argumentam que a decisão de Yushchenko de demitir Tymoshenko, conhecida como "princesa laranja" pela aparência elegante e pelo papel decisivo em mobilizar multidões em 2004, custou apoio ao presidente.
Yushchenko continuou ontem a nomeação de membros do novo governo. O tecnocrata Yuri Yekhanurov, nascido na Rússia, assumiu como primeiro-ministro, e Yushchenko agora terá de enfrentar a perspectiva de encontrar Tymoshenko como adversária nas eleições do final de março.
No passado aliados, os dois se transformaram em amargos inimigos, e Tymoshenko não esconde que deseja o poder. No esforço pelo terreno perdido, o presidente assinou um acordo que parece negar, de um só golpe, todo o propósito da revolução laranja.
Em essência, o objetivo da revolução era reverter a vitória propiciada por fraude eleitoral ao pró-russo Viktor Yanukovych. Muitos dos que se reuniram na praça da Independência, em Kiev, queriam a detenção de Yanukovych por fraude eleitoral e outros crimes. Na semana passada, a TV ucraniana mostrou Yushchenko apertando a mão do antigo rival, depois de assinar com ele um acordo que lhe garantia 50 votos adicionais, a fim de obter a aprovação pelo Parlamento do novo primeiro-ministro. Aos olhos de seus partidários decepcionados, o preço que ele pagou pelos votos foi alto demais, pois deu anistia legal a Yanukovych e seus aliados.
Muitos dos revolucionários originais queriam que Kuchma, predecessor de Yushchenko, fosse julgado por suposta corrupção. Para Tymoshenko, Kuchma escapou porque o presidente permitiu. Ela também acusa o antigo chefe de saber sobre corrupção de assessores e nada fazer.
Notícias como a do filho de 19 anos de Yushchenko ostentando riqueza e a do assassinato de Georgiy Gongadze, repórter que investigava a suposta corrupção do governo Kuchma, também abalaram a popularidade do governo. Quanto aos números negativos da economia, Yushchenko culpa Tymoshenko, que tinha papel importante na administração.
Ela diz que os números parecem ruins porque, no passado, todos os dados eram falsificados.
O presidente acusa a ex-colega de usar o cargo para cancelar uma dívida de US$ 1,5 bilhão de empresa para a qual trabalhava antes. É tudo bem diferente de 2004, quando os dois andaram de mãos dadas. A popularidade de ambos caiu e, segundo o instituto de opinião Razumkov, "se aproxima dos níveis característicos dos dias finais do governo do ex-presidente Leonid Kuchma".
Yushchenko pode ter conquistado o respeito internacional, mas se quiser reconquistar a simpatia popular perdida em nove meses à frente do país, terá muito a fazer.


Tradução de Paulo Migliacci

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