São Paulo, sexta-feira, 01 de novembro de 2002

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ENTREVISTA

Presidente iraniano se opõe ao clima de guerra universal criado pelos EUA e diz que direitos humanos são grande conquista

Ataque ao Iraque trará desestabilização, diz Khatami

ÁNGELES ESPINOSA
DO "EL PAÍS"

Um ataque ao Iraque levará mais incerteza e instabilidade a uma região que já enfrenta graves problemas, segundo Mohammed Khatami, presidente do Irã.

Pergunta - Desde sua chegada ao poder, em 97, o sr. fala num diálogo de civilizações. Mas, desde 11 de setembro de 2001, há a impressão de que possamos ter um choque de civilizações. Como o sr. vê isso?
Mohammed Khatami -
Nunca houve guerra de civilizações. A civilização islâmica herdou muito das civilizações persa, romana, grega, hindu, chinesa... Mais tarde, a civilização ocidental também se deixou influenciar pela civilização islâmica.
O que provoca a guerra são os fanatismos, os interesses ilegítimos, o recurso à força para garantir esses interesses. O 11 de setembro e a situação que se seguiu a ele são uma vingança das pessoas que vêem o diálogo entre civilizações como algo que ameaça seus interesses. O objetivo do diálogo é a negação da violência, da guerra e do terrorismo. Em 11 de setembro, testemunhamos a pior forma de terrorismo. Infelizmente, com o pretexto de combater o terrorismo, algumas partes estenderam um ambiente de violência e guerra pelo mundo.

Pergunta - Seu governo condenou os atentados e prestou uma ajuda discreta à intervenção dos EUA no Afeganistão. Apesar disso, George W. Bush incluiu o Irã em seu ""eixo do mal". O que aconteceu?
Khatami -
Para travar uma guerra, é preciso ter um inimigo concreto, e, quando não se tem esse inimigo concreto, é preciso criá-lo, para tornar possível o ambiente bélico e justificar a intervenção. O tema do eixo do mal é para justificar um ambiente de guerra no mundo, embora eu acredite que esse enfoque tenha sido derrotado. É claro que também cooperamos no Afeganistão por nossos próprios interesses, mas considero que nosso esforço é aquele que mais está ajudando na reconstrução do Afeganistão. Quando vemos que os EUA esquecem tudo isso e insistem em suas políticas, cresce nossa desconfiança. A oposição de todos os países do mundo à inclusão do Irã em tal eixo deixa claro que foi um equívoco.

Pergunta - A última crise internacional diz respeito ao Iraque, país vizinho com o qual o Irã não mantém relações muito boas. Como o sr. analisa a situação?
Khatami -
Somos contra a idéia de uma intervenção militar no Iraque. Não somos partidários de seu regime, visto que nós já sofremos por sua culpa. O Iraque já usou suas armas químicas contra nós. A guerra matou centenas de milhares de jovens iranianos e iraquianos. Mas onde o Iraque obteve suas armas químicas? Quem são os que hoje estão arrependidos de ter equipado o Iraque com armas químicas contra nós?
Além disso, que culpa tem o povo iraquiano? Seria um mau precedente que um governo poderoso que não gosta de outro governo fizesse uso da força militar para mudá-lo. Nossa região é uma região muito delicada e cheia de crises. Um ataque ao Iraque teria consequências terríveis para a região, que guarda a maior parte dos recursos energéticos do mundo. Com esses argumentos, nos opomos a qualquer ataque ao Iraque. Mas, evidentemente, deve-se obrigar Saddam Hussein a aceitar as resoluções internacionais.

Pergunta - Os direitos humanos são valores universais?
Khatami -
Os direitos humanos são uma das maiores conquistas do mundo. A democracia não tem significado sem os direitos humanos e sem o reconhecimento de que o homem tem o direito de dirigir seu destino. A ditadura e o colonialismo prejudicaram muito os direitos dos iranianos.
Nosso povo está há mais de um século lutando para conseguir sua liberdade e sua independência. Por outro lado, por razões históricas e culturais, nosso povo tem convicções religiosas, o que significa que ele quer obter liberdade e independência respeitando seus valores religiosos e culturais.
Além disso, essa evolução tem seu tempo devido, e o importante é que avancemos na direção que nossa população deseja. Peço também que, quando se tratar de direitos humanos, mesmo que seja no conceito ocidental, o Irã não seja comparado a países europeus que já tem 300 anos de liberalismo democrático, mas a seus vizinhos.


Tradução de Clara Allain



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