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São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

Novos obstáculos na saída

STEVEN R. WEISMAN
DO NEW YORK TIMES, EM WASHINGTON

Há duas semanas o governo Bush definiu uma "estratégia de saída" para o Iraque, segundo a qual os EUA se comprometiam a estabelecer no país um governo iraquiano em meados do ano que vem, bem antes do que o inicialmente planejado, e quando já estaria em curso a campanha à eleição presidencial americana.
Mas o plano inicial do governo para a transferência do poder já se desintegrou, levantando dúvidas se é factível a data de 30 de julho para pôr fim à administração americana em Bagdá.
O problema está em conciliar o desejo de Bush de transferir rapidamente o bastião a um governo não-hostil aos EUA com a necessidade de promover uma eleição que dê a esse governo legitimidade aos olhos dos iraquianos e da comunidade internacional.
O "processo" de que se falou há duas semanas previa menos que uma eleição. Pensou-se num arranjo pelo qual assembléias convocadas em todo o Iraque dariam ao Conselho de Governo Iraquiano atribuições razoáveis.
As coisas se complicaram na semana passada, quando o aiatolá Ali al Sistani, dirigente da comunidade xiita, estabeleceu sua própria definição do que seria um governo legítimo. Apenas uma eleição seria aceitável, declarou. Sua exigência passa a pesar nos cálculos dos EUA e do conselho.
Outras lideranças xiitas apoiaram o aiatolá, sabendo que a comunidade, que compõe 60% da população iraquiana, seria beneficiada por eleições nacionais.
A questão fundamental consiste em saber se o governo americano deu a si mesmo tempo suficiente para estabelecer uma administração iraquiana que sobreviva, seja legítima e aceitável aos EUA.
"Estamos encurralados", diz um alto funcionário do governo Bush. "Estamos com uma constelação de problemas no Iraque, e não podemos permitir que eles sejam resolvidos ao preço de nossa própria exclusão."
Políticos americanos acreditam que não seja apenas o calendário eleitoral americano que requeira uma rápida ação de transferência do poder no Iraque. No discurso que fez em Bagdá, no Dia de Ação de Graças, Bush prometeu que as forças militares de ocupação permaneceriam no país "até que a tarefa fosse cumprida". Mas a hostilidade à ocupação está aumentando tão rápido que, caso não se transfira com rapidez o poder, ataques às forças americanas necessariamente cresceriam.
O centro de decisão do governo americano acredita que seja inviável convocar eleições gerais sem um recadastramento do eleitorado, ao passo que a indicação de representantes por assembléias locais seria aceitável para os xiitas.
Os EUA se opõem à transformação do Conselho de Governo Iraquiano em governo provisório. Controlado por ex-exilados, o grupo não é bem visto pelos sunitas da região noroeste, foco de ataques às forças de ocupação.
Os sunitas sentem-se marginalizados pela ocupação americana, porque suas duas maiores fontes de poder -o partido Baath e o Exército- foram desmantelados. E tem sido impossível obter a adesão de líderes comunitários sunitas às forças de ocupação.
"Se entregarmos o poder a 1º de julho a um conglomerado improvisado, como o conselho acrescido de alguns outros, teremos uma guerra civil no Iraque a partir de novembro", diz um funcionário graduado do governo Bush.
Auxiliares do administrador civil americano, Paul Bremer, acreditam que o poder possa ser transferido, na melhor das hipóteses, só no final de 2004.
"Seria desastroso convocar uma eleição cuja legitimidade seria contestada", diz Noah Feldman, professor de direito na Universidade de Nova York e ex-assessor jurídico de Bremer. "Ninguém quer que Bagdá seja como Palm Beach", diz, notando que a história sugere que pleitos convocados rápido demais no pós-guerra tendem a eleger líderes pouco comprometidos com a democracia.
Essa visão, no começo de novembro, passou a ser compartilhada por gente da assessoria imediata de Bush. Bremer foi chamado a Washington para consultas, e um plano foi negociado com o Conselho de Governo Iraquiano para o que se chamou de "um processo transparente, participativo e democrático".
"O documento parecia o tratado entre o governo americano e lideranças indígenas de 1881", disse Rami Khouri, diretor do jornal libanês "The Daily Star". "É humilhante para eles definir a toque de caixa algo inspirado pelo medo."
Quando em Bagdá, Bush reuniu-se com quatro membros do conselho. Assessores presidenciais temem, no entanto, que o grupo tente boicotar as próximas etapas da transição a fim de prolongar seu próprio poder.
O melhor seria que Bremer negociasse com líderes xiitas uma eleição parcial para escolher um governo iraquiano até 30 de julho. "Será difícil promover eleições, mas não impossível", diz Feldman. A seu ver, não há terapia para o Iraque sem contra-indicação.



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