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ANÁLISE
Novos obstáculos na saída
STEVEN R. WEISMAN
DO NEW YORK TIMES, EM WASHINGTON
Há duas semanas o governo
Bush definiu uma "estratégia de
saída" para o Iraque, segundo a
qual os EUA se comprometiam a
estabelecer no país um governo
iraquiano em meados do ano que
vem, bem antes do que o inicialmente planejado, e quando já estaria em curso a campanha à eleição presidencial americana.
Mas o plano inicial do governo
para a transferência do poder já se
desintegrou, levantando dúvidas
se é factível a data de 30 de julho
para pôr fim à administração
americana em Bagdá.
O problema está em conciliar o
desejo de Bush de transferir rapidamente o bastião a um governo
não-hostil aos EUA com a necessidade de promover uma eleição
que dê a esse governo legitimidade aos olhos dos iraquianos e da
comunidade internacional.
O "processo" de que se falou há
duas semanas previa menos que
uma eleição. Pensou-se num arranjo pelo qual assembléias convocadas em todo o Iraque dariam
ao Conselho de Governo Iraquiano atribuições razoáveis.
As coisas se complicaram na semana passada, quando o aiatolá
Ali al Sistani, dirigente da comunidade xiita, estabeleceu sua própria definição do que seria um governo legítimo. Apenas uma eleição seria aceitável, declarou. Sua
exigência passa a pesar nos cálculos dos EUA e do conselho.
Outras lideranças xiitas apoiaram o aiatolá, sabendo que a comunidade, que compõe 60% da
população iraquiana, seria beneficiada por eleições nacionais.
A questão fundamental consiste
em saber se o governo americano
deu a si mesmo tempo suficiente
para estabelecer uma administração iraquiana que sobreviva, seja
legítima e aceitável aos EUA.
"Estamos encurralados", diz
um alto funcionário do governo
Bush. "Estamos com uma constelação de problemas no Iraque, e
não podemos permitir que eles
sejam resolvidos ao preço de nossa própria exclusão."
Políticos americanos acreditam
que não seja apenas o calendário
eleitoral americano que requeira
uma rápida ação de transferência
do poder no Iraque. No discurso
que fez em Bagdá, no Dia de Ação
de Graças, Bush prometeu que as
forças militares de ocupação permaneceriam no país "até que a tarefa fosse cumprida". Mas a hostilidade à ocupação está aumentando tão rápido que, caso não se
transfira com rapidez o poder,
ataques às forças americanas necessariamente cresceriam.
O centro de decisão do governo
americano acredita que seja inviável convocar eleições gerais sem
um recadastramento do eleitorado, ao passo que a indicação de
representantes por assembléias
locais seria aceitável para os xiitas.
Os EUA se opõem à transformação do Conselho de Governo
Iraquiano em governo provisório.
Controlado por ex-exilados, o
grupo não é bem visto pelos sunitas da região noroeste, foco de
ataques às forças de ocupação.
Os sunitas sentem-se marginalizados pela ocupação americana,
porque suas duas maiores fontes
de poder -o partido Baath e o
Exército- foram desmantelados.
E tem sido impossível obter a adesão de líderes comunitários sunitas às forças de ocupação.
"Se entregarmos o poder a 1º de
julho a um conglomerado improvisado, como o conselho acrescido de alguns outros, teremos uma
guerra civil no Iraque a partir de
novembro", diz um funcionário
graduado do governo Bush.
Auxiliares do administrador civil americano, Paul Bremer, acreditam que o poder possa ser
transferido, na melhor das hipóteses, só no final de 2004.
"Seria desastroso convocar uma
eleição cuja legitimidade seria
contestada", diz Noah Feldman,
professor de direito na Universidade de Nova York e ex-assessor
jurídico de Bremer. "Ninguém
quer que Bagdá seja como Palm
Beach", diz, notando que a história sugere que pleitos convocados
rápido demais no pós-guerra tendem a eleger líderes pouco comprometidos com a democracia.
Essa visão, no começo de novembro, passou a ser compartilhada por gente da assessoria imediata de Bush. Bremer foi chamado a Washington para consultas,
e um plano foi negociado com o
Conselho de Governo Iraquiano
para o que se chamou de "um
processo transparente, participativo e democrático".
"O documento parecia o tratado entre o governo americano e lideranças indígenas de 1881", disse
Rami Khouri, diretor do jornal libanês "The Daily Star". "É humilhante para eles definir a toque de
caixa algo inspirado pelo medo."
Quando em Bagdá, Bush reuniu-se com quatro membros do
conselho. Assessores presidenciais temem, no entanto, que o
grupo tente boicotar as próximas
etapas da transição a fim de prolongar seu próprio poder.
O melhor seria que Bremer negociasse com líderes xiitas uma
eleição parcial para escolher um
governo iraquiano até 30 de julho.
"Será difícil promover eleições,
mas não impossível", diz Feldman. A seu ver, não há terapia para o Iraque sem contra-indicação.
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