São Paulo, quarta-feira, 01 de dezembro de 2004

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SOCIEDADE

Hospital do país revela que já adota a prática em recém-nascidos sem condições de sobrevida; católicos protestam

Holanda discute liberar eutanásia em bebê

TOBY STERLING
DA ASSOCIATED PRESS, EM AMSTERDÃ

Intensificando discussão ética dificílima, um hospital na Holanda, o primeiro país a autorizar a eutanásia, propôs recentemente que sejam traçadas diretrizes para a realização de eutanásia em recém-nascidos doentes terminais. O hospital revelou que já realiza procedimentos desse tipo e os informa ao governo.
O anúncio foi feito no mês passado pelo Hospital Acadêmico Groningen, em meio a uma discussão crescente na Holanda sobre a legalização da prática da eutanásia em pessoas incapazes de decidir por conta própria se querem ou não pôr fim a suas vidas. A perspectiva é vista com horror pelos adversários da eutanásia, mas encarada como evolução natural pelos defensores da prática.
Em agosto, a principal associação médica holandesa, KNMB, exortou o Ministério da Saúde a criar um conselho independente para rever os casos de eutanásia envolvendo doentes terminais "destituídos de livre arbítrio", entre eles crianças, portadores de deficiências mentais graves e pessoas em estado de coma irreversível em decorrência de acidentes.
Um porta-voz do Ministério da Saúde disse que o ministério está preparando uma resposta ao pedido da KNMB e que essa resposta pode sair já neste mês.
O Protocolo de Groningen, como as diretrizes passaram a ser conhecidas, criaria um quadro legal dentro do qual médicos poderiam pôr fim à vida de neonatos que sofressem dores semelhantes por conta de doenças incuráveis ou deformidades extremas.
Organizações católicas e o Vaticano reagiram com ultraje ao anúncio do hospital de Groningen e os adversários americanos da eutanásia afirmaram que a proposta mostra que os holandeses perderam seu norte moral.
"Na Holanda, o declive escorregadio [de uma decisão moral difícil] já virou abismo vertical", declarou Wesley J. Smith, conhecido crítico da eutanásia residente na Califórnia, em e-mail enviado à agência Associated Press. ""É desnecessário dizer que matar bebês é errado. Isso é algo que costumava ser conhecido como uma verdade auto-evidente."
O hospital anunciou ter realizado quatro "mortes por misericórdia" desse tipo em 2003 e ter reportado todos os casos a promotores do governo. Mas nenhum procedimento legal foi aberto contra o hospital.
A eutanásia em crianças ainda é ilegal em todo o mundo. Especialistas afirmam que, fora da Holanda, os médicos não informam as autoridades desses casos, por temer serem alvos da justiça.
"Do jeito como as coisas estão, as pessoas fazem isso secretamente, e isso é errado", disse Eduard Verhagen, diretor da clínica infantil do Groningen. "Nós, na Holanda, queremos expor tudo, queremos que tudo seja sujeito a escrutínio e aprovação."
De acordo com o Ministério da Justiça, quatro casos de eutanásia infantil foram comunicados a promotores em 2003. Dois foram relatados em 2002, sete em 2001 e cinco em 2000. O hospital Groningen estima que o protocolo seria aplicável em cerca de dez casos por ano na Holanda, que tem 16 milhões de habitantes.
A Holanda já recorre a comitês independentes para rever os casos de eutanásia em adultos e submeter ao Ministério da Justiça os incidentes em que existe a possibilidade de atuação médica imprópria. Dos aproximadamente 5.700 casos de eutanásia adulta notificados desde 2001, quando entrou em vigor a lei que autoriza a eutanásia, 32 foram encaminhados a promotores. Desses 32, cinco resultaram em inquéritos criminais, um dos quais levou a um processo criminal que está em andamento.
O Protocolo de Groningen considera a eutanásia aceitável quando a equipe médica encarregada de uma criança e médicos independentes consultados concordam que não há meios de aliviar a dor do paciente e que, portanto, não há perspectivas de melhora. É necessário também que os pais concordem com a eutanásia.
O hospital diz que "essas crianças, cuja dor é impossível de ser aplacada, podem ser libertas de sofrimento terrível e incurável".
Para o crítico Wesley Smith, no entanto, "se chegarmos a acreditar que matar é resposta justificada ao sofrimento humano, então teremos colocado de ponta-cabeça o conceito da igualdade e dos direitos humanos universais".


Tradução de Clara Allain


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