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DIREITOS HUMANOS
Premiado pelo Parlamento Europeu, Payá critica manipulação ideológica e se diz contra o embargo à ilha
Dissidente ataca utilização do drama cubano
GABRIELA CANAS
DO "EL PAÍS"
O dissidente cubano Oswaldo
Payá, se declara contra o uso ideológico que se faz do drama cubano e manifesta sua oposição ao
embargo dos EUA à ilha. "Se o
mundo se interessa pelo povo de
Cuba, e não em tomá-lo como
com instrumento para suas querelas ideológicas, diria que não
nos interessa o embargo porque
ele não é um fator de mudança".
Líder do Projeto Varela pela democratização do país, Payá afirma que sua iniciativa é "uma
campanha realizada em meio ao
totalitarismo, em uma cultura do
medo", cujo objetivo não é "tomar o poder", mas deflagrar "um
processo de transformação de
dentro para fora, de libertação do
e do ódio, um convite ao diálogo".
O regime de Fidel Castro autorizou Payá, 50, a viajar a Estrasburgo (França), no mês passado, onde recebeu o Prêmio Sakharov de
Direitos Humanos do Parlamento Europeu, mas tal gesto não atenua as críticas do dissidente: "Não
tenho nada a agradecer por me
concederem uma vez o que me foi
retirado como direito".
Pergunta - Fidel Castro lhe deu
autorização para vir a Estrasburgo
receber o Prêmio Sakharov. Com
esse gesto, as pessoas menos informadas talvez pensem que a repressão em Cuba não seja tão brutal.
Oswaldo Payá - O gesto seria eliminar as restrições a que os cubanos entrem e saiam de seu país.
Não tenho nada a agradecer por
me concederem uma vez o que
me foi retirado como direito. Não
sou carta de câmbio de ninguém.
Pergunta - O sr. acredita que o
projeto Varela dê resultados e que
venha a acontecer um referendo?
Payá - O que acredito é que o povo vá se beneficiar. O projeto é um
meio, não um fim. Trata-se de
uma campanha nacional realizada em meio ao totalitarismo, em
uma cultura do medo. Não é um
método que estejamos utilizando
para tomar o poder. É um processo de transformação de dentro
para fora, de libertação do medo e
do ódio, um convite ao diálogo.
Pergunta - O senhor acredita que
se trate, efetivamente, do projeto
político mais importante da oposição a Fidel Castro?
Payá - Não tem mérito superior
ao de outros projetos, mas tem o
valor que lhe emprestam milhares
de cubanos, por via pacífica. Mas
não é um evento isolado. É fruto
de um processo de luta durante o
qual muita gente sofreu pressão.
Pergunta - O sr. falou da cultura
do medo.
Payá - Sim. O medo incorporado deforma porque nos faz fingir,
adoece as almas, converte-se às
vezes na motivação mais importante. Desfigura o ser humano. É
muito humilhante e indigno.
Pergunta - Os cubanos têm medo
do pós-castrismo?
Payá - Não, há medo do regime,
das represálias. A pessoas estão
sempre medindo que efeitos terão
suas ações, suas palavras e até
mesmo suas inibições. Trata-se de
um regime que não reprime só a
oposição, mas também a quem
não lhe demonstre apoio incondicional, como o menino que tem
de gritar a cada dia na escola "pioneiro do comunismo, seremos
como Che". A universidade é um
meio altamente repressivo. Acabam de expulsar três jovens universitários, num gesto fascista,
porque eles filmaram o Projeto
Varela. Foram chamados de vermes, de contra-revolucionários.
Foi uma cena própria do stalinismo e do fascismo cubanos.
Pergunta - O sr. confia na intercessão de Jimmy Carter?
Payá - De fora, e digo com respeito, há uma mentalidade que
desvaloriza o papel do povo cubano. É uma mentalidade um pouco
reacionária, se bem que inconsciente, que se espalhou pelo mundo. Nós podemos ser a pedra removida pelos arquitetos, mas, como diz o Evangelho, a pedra fundamental é o povo cubano. Agradeço a Carter por ter sido a voz
dos que não têm voz, mas as mudanças em Cuba não virão por intercessões e pressões, mas pela
ação cívica do povo e pela solidariedade para com o povo cubano.
Pergunta - O sr. pediria o fim imediato do embargo a Cuba?
Payá - Eu pediria coerência. Se o
mundo se interessa pelo povo de
Cuba, e não em tomá-lo como
com instrumento para suas querelas ideológicas, diria que não
nos interessa o embargo porque
ele não é um fator de mudança.
Pergunta - A oposição está bem
organizada.
Payá - Sim. Mas o melhor é que
não pensemos em tomar as rédeas do poder, mas sim prepararmos o terreno para que os cidadãos o façam. Restam momentos
difíceis a superar. Um dia antes de
eu embarcar, arrombaram minha
porta e a lacraram por fora. Um
mês antes jogaram tinta vermelha
e amarela contra minha casa, para
simular uma poça de sangue, e picharam minhas paredes. Tenho
três filhos, de 14, 13 e dez anos, e
eles vivem nesse ambiente.
Pergunta - O sr. denuncia que os
estrangeiros estão comprando o
país. O tempo joga contra Cuba?
Payá - Engana-se quem pensa
que o povo cubano vá aceitar como legítima toda propriedade, riqueza ou autoridade que não nasça de um processo legal limpo, e
não da usurpação, da manobra ou
da corrupção institucionalizada.
Em Cuba há muita gente que não
tem nada, e há outros que estão
enriquecendo, se tornando capitalistas enquanto nos repetem
"socialismo ou morte" e passam
de dirigentes a gerentes, de comissários a empresários.
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