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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Curdos buscam Estado próprio no norte do país e em outras partes da região; Saddam também combate reivindicações xiitas

Risco de fragmentação ameaça Iraque

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Uma mudança de regime à força em Bagdá, tal como defende Washington, poderia dividir o Iraque e incentivar movimentos extremistas islâmicos, além de alimentar o antiamericanismo de populações que consideram os EUA como um aliado incondicional de Israel, de acordo com analistas políticos e historiadores.
"O fim do regime de Saddam Hussein e do grupo político do Baath ["renascimento", partido nacionalista e laico] sem uma transição cuidadosa poderia provocar a fragmentação do Iraque, pois incentivaria o separatismo, sobretudo de curdos, caso não houvesse uma proposta alternativa como a concessão de autonomia a áreas onde eles são maioria", alega Nabil Abdel Fattah, do Centro de Estudos Estratégicos e Políticos Al Ahram, do Cairo.
"Saddam Hussein sonha com a grandiosidade da Mesopotâmia [região entre Eufrates e Tigre] e da Babilônia [de Bab Ili: a porta de Deus] e ainda reivindica porções de terra em disputas com vizinhos como Irã e Kuait, mas garante a unidade do país com mão-de-ferro", afirma Nabil Abdel Fattah.
Os curdos representam cerca de 15% dos 23 milhões de habitantes do Iraque. Relegados por acordos que dividiram a região após a Primeira Guerra Mundial, vivem em diversos países e formam o maior grupo étnico sem Estado do mundo: 25 milhões de pessoas -cerca de 60% das quais na Turquia. Foi justamente essa concentração no país vizinho que fez com que o premiê Abdullah Gül sinalizasse que pode enviar tropas ao norte do Iraque caso perceba um risco de o país se fragmentar, o que poderia estimular levantes domésticos na Turquia. Aliado dos EUA, o governo turco combate o separatismo curdo há décadas.
Desde a Guerra do Golfo (1991), dois grupos curdos controlam o norte do Iraque sob proteção de EUA e Reino Unido, que mantêm uma zona de exclusão aérea ali.
Em comum, eles defendem a fundação do Curdistão (lugar dos curdos, em curdo), que diz respeito à região com maioria curda em parte de Turquia, Irã, Iraque, Síria, Azerbaijão e Armênia.
Mas são as disputas de poder que marcam as relações entre o Partido Democrático do Curdistão (PDC) e a União Patriótica do Curdistão. Os confrontos abriram caminho para uma incursão iraquiana em 1996. Desde então, intervenções de EUA e Turquia amenizaram os enfrentamentos.
Líder do PDC, Massud Barzani disse que não lançará ataques contra forças leais a Saddam a partir das áreas curdas, mas seu grupo é apenas um na extensa lista de movimentos oposicionistas. Um encontro realizado em dezembro, em Londres, com mais de 65 grupos que tentavam delinear o futuro de um Iraque pós-Saddam demonstrou que a oposição está totalmente fracionada.
Outro fator de desestabilização é que importantes refinarias de petróleo ficam em áreas curdas. Não por acaso a cidade de Kirkuk (onde se descobriu o petróleo iraquiano em 1927) é reivindicada como capital curda no Iraque.
Além dos curdos, analistas temem que revoltas de muçulmanos xiitas, que formam 60% da população iraquiana, possam completar a receita para um amplo conflito na região envolvendo Irã (majoritariamente xiita) e Arábia Saudita (majoritariamente sunita). Um provável fortalecimento da influência iraniana é visto com desconfiança por Washington, cujas relações com Teerã se deterioraram ainda mais no governo de George W. Bush.
A presença de centros petrolíferos no sul (de maioria xiita) prejudicaria os planos norte-americanos de estabelecer um Iraque pró-EUA e disposto a priorizar suas empresas petrolíferas. Pesadelo pior para Washington seria um "Grande Irã" com petrodólares.


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