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Curdos buscam Estado próprio no norte do país e em outras partes da região; Saddam também combate reivindicações xiitas
Risco de fragmentação ameaça Iraque
PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
Uma mudança de regime à força em Bagdá, tal como defende
Washington, poderia dividir o
Iraque e incentivar movimentos
extremistas islâmicos, além de alimentar o antiamericanismo de
populações que consideram os
EUA como um aliado incondicional de Israel, de acordo com analistas políticos e historiadores.
"O fim do regime de Saddam
Hussein e do grupo político do
Baath ["renascimento", partido
nacionalista e laico] sem uma
transição cuidadosa poderia provocar a fragmentação do Iraque,
pois incentivaria o separatismo,
sobretudo de curdos, caso não
houvesse uma proposta alternativa como a concessão de autonomia a áreas onde eles são maioria", alega Nabil Abdel Fattah, do
Centro de Estudos Estratégicos e
Políticos Al Ahram, do Cairo.
"Saddam Hussein sonha com a
grandiosidade da Mesopotâmia
[região entre Eufrates e Tigre] e da
Babilônia [de Bab Ili: a porta de
Deus] e ainda reivindica porções
de terra em disputas com vizinhos
como Irã e Kuait, mas garante a
unidade do país com mão-de-ferro", afirma Nabil Abdel Fattah.
Os curdos representam cerca de
15% dos 23 milhões de habitantes
do Iraque. Relegados por acordos
que dividiram a região após a Primeira Guerra Mundial, vivem em
diversos países e formam o maior
grupo étnico sem Estado do mundo: 25 milhões de pessoas -cerca
de 60% das quais na Turquia. Foi
justamente essa concentração no
país vizinho que fez com que o
premiê Abdullah Gül sinalizasse
que pode enviar tropas ao norte
do Iraque caso perceba um risco
de o país se fragmentar, o que poderia estimular levantes domésticos na Turquia. Aliado dos EUA,
o governo turco combate o separatismo curdo há décadas.
Desde a Guerra do Golfo (1991),
dois grupos curdos controlam o
norte do Iraque sob proteção de
EUA e Reino Unido, que mantêm
uma zona de exclusão aérea ali.
Em comum, eles defendem a
fundação do Curdistão (lugar dos
curdos, em curdo), que diz respeito à região com maioria curda em
parte de Turquia, Irã, Iraque, Síria, Azerbaijão e Armênia.
Mas são as disputas de poder
que marcam as relações entre o
Partido Democrático do Curdistão (PDC) e a União Patriótica do
Curdistão. Os confrontos abriram
caminho para uma incursão iraquiana em 1996. Desde então, intervenções de EUA e Turquia
amenizaram os enfrentamentos.
Líder do PDC, Massud Barzani
disse que não lançará ataques
contra forças leais a Saddam a
partir das áreas curdas, mas seu
grupo é apenas um na extensa lista de movimentos oposicionistas.
Um encontro realizado em dezembro, em Londres, com mais
de 65 grupos que tentavam delinear o futuro de um Iraque pós-Saddam demonstrou que a oposição está totalmente fracionada.
Outro fator de desestabilização
é que importantes refinarias de
petróleo ficam em áreas curdas.
Não por acaso a cidade de Kirkuk
(onde se descobriu o petróleo iraquiano em 1927) é reivindicada
como capital curda no Iraque.
Além dos curdos, analistas temem que revoltas de muçulmanos xiitas, que formam 60% da
população iraquiana, possam
completar a receita para um amplo conflito na região envolvendo
Irã (majoritariamente xiita) e
Arábia Saudita (majoritariamente sunita). Um provável fortalecimento da influência iraniana é
visto com desconfiança por Washington, cujas relações com Teerã
se deterioraram ainda mais no
governo de George W. Bush.
A presença de centros petrolíferos no sul (de maioria xiita) prejudicaria os planos norte-americanos de estabelecer um Iraque pró-EUA e disposto a priorizar suas
empresas petrolíferas. Pesadelo
pior para Washington seria um
"Grande Irã" com petrodólares.
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