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ANÁLISE
Situação será instável a longo prazo, diz analista
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A fuga do presidente Jean-Bertrand Aristide e a presença de tropas estrangeiras no Haiti não são
condições suficientes para construir uma democracia estável.
É o que diz Christian Girault, 61,
pesquisador francês do CNRS
(Centro Nacional de Pesquisa
Científica). De imediato, afirma,
todas as facções farão de tudo para agradar aos Estados Unidos.
Mas, a médio prazo, surgirão divergências sobre as regras pelas
quais disputarão o poder.
Eis os principais trechos da entrevista, feita por telefone.
Folha - É possível que o quadro
político haitiano se estabilize?
Christian Girault - Penso que haverá de imediato alguma estabilidade. Todos os protagonistas se
dizem amigos dos EUA e farão de
tudo para não lhes desagradar.
Guy Philippe, líder dos insurgentes, já prometeu entregar suas armas. Caso não o faça, os americanos o desarmarão com certeza.
Folha - Como reconstruir o país
com a oposição tão heterogênea?
Girault - Há muitos riscos. O
principal está na impossibilidade
de entendimento interno sobre as
regras a partir das quais o poder
será redisputado. Não há apenas
democratas na oposição.
Folha - Por que o desgaste tão
abrupto do presidente Aristide?
Girault - A margem de manobra
dele se reduziu de modo muito rápido. Ele perdeu rapidamente as
principais regiões do país para os
rebeldes. Não chegou a ser cercado porque não ocorreu uma operação militar. Os rebeldes não
passavam de ex-policiais ou ex-militares que detinham suas antigas armas e com elas tomavam de
assalto delegacias de polícia.
Folha - De que forma pesou a
oposição política na capital?
Girault - Essa oposição é bastante díspar. Ela não reagiu de forma
coordenada. Mesmo assim, a
oposição procurou agradar aos
EUA, e suas denúncias enfraqueceram Aristide.
Folha - Foram os EUA que reinvestiram Aristide na Presidência, em
1994. O que é que deu errado?
Girault - Quando Washington
recolocou Aristide [deposto em
golpe em 91] no poder, a operação
teve o guarda-chuva institucional
da ONU. Os americanos demoraram três anos para reinvesti-lo
porque ele nunca foi em Washington uma primeira opção.
Folha - Mas para viabilizar o governo dele teria sido preciso um
programa de apoio financeiro.
Girault - De início, os EUA e a
União Européia tinham projetos
concretos de ajuda ao Haiti. A
partir de 1994, os americanos participaram de missões para restabelecer a Justiça, reconstruir o sistema penitenciário e as forças de
polícia. Em fevereiro de 1995,
Aristide havia suprimido as Forças Armadas, porque elas o haviam deposto e também porque
estavam corrompidas e marcadas
por atrocidades em termos de direitos humanos. Foram 20 mil no
regime militar.
Folha - O que deu errado?
Girault - Foi basicamente a corrupção. Os programas haitianos
mudavam com freqüência e não
se sabia ao certo no bolso de
quem o dinheiro iria parar. A partir de 1997 ou 1998, a ajuda norte-americana e européia cessou.
Folha - Não se tinha, então, um
interlocutor local confiável?
Girault - A situação política também se tornou instável pelo calendário eleitoral. Nas eleições de
1997, a oposição acusou Aristide
de fraude. O mesmo aconteceu
em 2000, quando a oposição fraudulentamente foi privada de representação no Senado. A oposição fez denúncias embasadas, e
Washington as levou a sério. Em
2000, pessoas provavelmente ligadas ao presidente assassinaram
um jornalista importante, Jean
Dominique, o que agravou ainda
mais a situação. O país caiu em estágio letárgico.
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