São Paulo, terça-feira, 02 de março de 2004

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ANÁLISE

Situação será instável a longo prazo, diz analista

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A fuga do presidente Jean-Bertrand Aristide e a presença de tropas estrangeiras no Haiti não são condições suficientes para construir uma democracia estável.
É o que diz Christian Girault, 61, pesquisador francês do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica). De imediato, afirma, todas as facções farão de tudo para agradar aos Estados Unidos. Mas, a médio prazo, surgirão divergências sobre as regras pelas quais disputarão o poder.
Eis os principais trechos da entrevista, feita por telefone.
 

Folha - É possível que o quadro político haitiano se estabilize?
Christian Girault -
Penso que haverá de imediato alguma estabilidade. Todos os protagonistas se dizem amigos dos EUA e farão de tudo para não lhes desagradar. Guy Philippe, líder dos insurgentes, já prometeu entregar suas armas. Caso não o faça, os americanos o desarmarão com certeza.

Folha - Como reconstruir o país com a oposição tão heterogênea?
Girault -
Há muitos riscos. O principal está na impossibilidade de entendimento interno sobre as regras a partir das quais o poder será redisputado. Não há apenas democratas na oposição.

Folha - Por que o desgaste tão abrupto do presidente Aristide?
Girault -
A margem de manobra dele se reduziu de modo muito rápido. Ele perdeu rapidamente as principais regiões do país para os rebeldes. Não chegou a ser cercado porque não ocorreu uma operação militar. Os rebeldes não passavam de ex-policiais ou ex-militares que detinham suas antigas armas e com elas tomavam de assalto delegacias de polícia.

Folha - De que forma pesou a oposição política na capital?
Girault -
Essa oposição é bastante díspar. Ela não reagiu de forma coordenada. Mesmo assim, a oposição procurou agradar aos EUA, e suas denúncias enfraqueceram Aristide.

Folha - Foram os EUA que reinvestiram Aristide na Presidência, em 1994. O que é que deu errado?
Girault -
Quando Washington recolocou Aristide [deposto em golpe em 91] no poder, a operação teve o guarda-chuva institucional da ONU. Os americanos demoraram três anos para reinvesti-lo porque ele nunca foi em Washington uma primeira opção.

Folha - Mas para viabilizar o governo dele teria sido preciso um programa de apoio financeiro.
Girault -
De início, os EUA e a União Européia tinham projetos concretos de ajuda ao Haiti. A partir de 1994, os americanos participaram de missões para restabelecer a Justiça, reconstruir o sistema penitenciário e as forças de polícia. Em fevereiro de 1995, Aristide havia suprimido as Forças Armadas, porque elas o haviam deposto e também porque estavam corrompidas e marcadas por atrocidades em termos de direitos humanos. Foram 20 mil no regime militar.

Folha - O que deu errado?
Girault -
Foi basicamente a corrupção. Os programas haitianos mudavam com freqüência e não se sabia ao certo no bolso de quem o dinheiro iria parar. A partir de 1997 ou 1998, a ajuda norte-americana e européia cessou.

Folha - Não se tinha, então, um interlocutor local confiável?
Girault -
A situação política também se tornou instável pelo calendário eleitoral. Nas eleições de 1997, a oposição acusou Aristide de fraude. O mesmo aconteceu em 2000, quando a oposição fraudulentamente foi privada de representação no Senado. A oposição fez denúncias embasadas, e Washington as levou a sério. Em 2000, pessoas provavelmente ligadas ao presidente assassinaram um jornalista importante, Jean Dominique, o que agravou ainda mais a situação. O país caiu em estágio letárgico.


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