UOL


São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESTRATÉGIA

Ataque a civis em posto de controle amplia abismo entre americanos e população iraquiana

EUA já perdem "corações e mentes"

Associated Press
Soldados da 3ª Divisão de Infantaria dos EUA fazem pontaria perto de ponte sobre o rio Eufrates em Hindiya, cidade ao sul de Bagdá


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo milhares de homens-bombas não teriam efeito militar significativo sobre as forças dos EUA, assim como milhares de kamikazes não impediram a derrota do Japão na Segunda Guerra. Mas bastou a explosão de um carro-bomba para que os objetivos políticos iniciais dos americanos também fossem pelos ares.
Os EUA e seus aliados britânicos já estão perdendo a guerra pelos "corações e mentes" iraquianos, e novas medidas mais rigorosas de controle da população civil tendem a piorar a situação no futuro próximo.
O incidente com o furgão Toyota que foi atingido por tiros de canhão ao não parar em um posto de controle, matando pelo menos sete civis, foi, portanto, um dos eventos mais significativos da guerra até agora.
Esse abismo político criado entre população e tropas atacantes torna mais difícil a campanha militar para "limpar" as cidades dos partidários de Saddam Hussein.
Quando qualquer civil que se aproxima de um soldado pode ser um homem-bomba ou um soldado fora de uniforme, quando qualquer veículo pode explodir de repente, é natural que as relações com a população iraquiana fiquem explosivas.
Debaixo das largas roupas com as quais os homens muçulmanos protegem suas mulheres de olhares indiscretos pode haver dinamite. Apenas o fato de ter de revistá-las provoca atrito. O choque cultural entre americanos e iraquianos já era grande, mas vai ficar cada vez maior.
O governo iraquiano aposta nesse abismo. Chama os americanos não apenas de imperialistas, como é praxe mundial, mas de "imperialistas-racistas".
Soldados americanos têm um histórico recente de pouco envolvimento com populações locais, mesmo em operações de paz. Na Somália, por exemplo, mantinham-se mais distantes dos "nativos", a quem chamavam pejorativamente de "skinnies" ou de "sammies". A longa convivência com vietnamitas também criou muito choque cultural. Qualquer vietnamita era um "gook".
Se os americanos se mantiverem distantes e desconfiados dos iraquianos, logo surgirá um termo pejorativo novo.
"Não deveria ser assim. A administração Bush tinha visualizado um tipo diferente de invasão no Iraque, uma que inundaria o mundo árabe com imagens de soldados dos EUA alimentando pessoas famintas e dando cuidado médico a crianças doentes", disse o jornal "The New York Times" em um editorial ontem.
"Em vez disso, bilhões em todo o mundo estão vendo e ouvindo relatos de que mulheres e crianças foram mortas a tiro na segunda-feira quando se dirigiam em um furgão civil a um posto de controle dos EUA", continuou o "Times", o mais influente jornal americano.
O editorial do "Times" até lembrou o famoso massacre de My Lai, quando soldados americanos mataram cerca de 300 civis nessa aldeia do Vietnã -resultado da "fúria de jovens americanos assustados que não eram mais capazes de distinguir civis inocentes de forças hostis".
O exército iraquiano propriamente dito, incluindo a mais bem equipada Guarda Republicana, é um inimigo convencional, que os EUA podem certamente vencer com seu maior poder de fogo.
Mas forças irregulares que se misturam à população são bem mais difíceis de localizar e atingir.
"Por que eles não lutam do nosso jeito?", reclamou certa vez um exasperado oficial americano sobre as táticas de guerrilha, de atirar e correr, dos vietnamitas.
A resposta é simples: se fossem lutar de modo convencional, seriam rapidamente exterminados pelo poder de fogo da artilharia e dos veteranos B-52 (que já cumpriram meio século de serviço ativo).
Os iraquianos aprenderam a lição, depois de mais de uma década sendo alvo dos aviões que patrulham as chamadas "zonas de exclusão aérea". Isso explica porque a aviação iraquiana nem deu o ar de sua graça. Qualquer aeronave iraquiana seria rapidamente localizada e destruída.
As comparações com o Vietnã que começam a pipocar nos meios de comunicação não devem ir longe. A guerra no Iraque é uma guerra convencional entre dois exércitos que deverá ser vencida por aquele com maior poder de combate -o americano-, em questão de dias ou, mais provavelmente, semanas.
Dada a diferença de poder de fogo entre os dois lados, não há dúvida entre os analistas militares de que o Exército iraquiano vai ser destruído. O desafio dos EUA é fazê-lo fora de Bagdá.


Texto Anterior: Homens-bombas se entregaram, diz Reino Unido
Próximo Texto: Apoiado por Bush, Rumsfeld diz que guerra só termina com rendição
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.