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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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ANÁLISE

Conflito testa a doutrina Rumsfeld

MICHAEL R. GORDON
DO "THE NEW YORK TIMES"

Desde o dia em que assumiu como secretário da Defesa, Donald Rumsfeld vem tentando mudar a natureza da defesa dos EUA. As Forças Armadas que ele deseja criar são mais móveis, capazes de atacar com armas de precisão a longa distância e tiram plena vantagem de sofisticados sistemas de reconhecimento.
Mas cerca de duas semanas depois do início da guerra contra o Iraque, um coro crescente de críticos acusa o fracasso dos princípios de Rumsfeld no Iraque. Os céticos, que incluem alguns dos principais comandantes do Exército, hoje na reserva, na última guerra contra o Iraque, em 1991, dizem que a força que os EUA deslocaram não é grande o suficiente para começar uma batalha decisiva por Bagdá enquanto protege as linhas de suprimento cada vez mais longas e controla o território iraquiano ocupado.
"As suposições estavam erradas", diz o general Barry McCaffrey, reformado, que comandou a 24ª Divisão Mecanizada em seu avanço pelo vale do Eufrates a fim de combater a Guarda Republicana na Guerra do Golfo. "Há uma idéia de que a natureza da guerra mudou totalmente, que os números não importam mais, que blindados e artilharia não importam. Entraram em combate com um plano que colocava em ação uma força aérea e marítima imensa, mas dependia de uma força de combate terrestre insuficiente".
O conflito com o Iraque também não tem por objetivo apenas derrubar Saddam Hussein. Também pretende estabelecer uma nova lição militar. O paradigma que Rumsfeld defende se baseia no poder aéreo e na agilidade das forças especiais, mas prevê papel menor para as divisões blindadas pesadas do Exército.
Uma avaliação final da estratégia terá de esperar a batalha por Bagdá. O que ninguém contesta é que a força que hoje combate no Iraque é fundamentalmente diferente da usada na Guerra do Golfo. A doutrina aplicada em 1991 se baseava em força esmagadora. Naquele conflito, o Pentágono enviou ao general Norman Schwarzkopf forças que ele nem sequer solicitara. Uma das prioridades era reduzir os riscos ao mínimo.
Quando chegou a guerra, ela começou com uma campanha de bombardeio aéreo de 39 dias. Depois, uma força de combate terrestre de mais de 500 mil soldados entrou em ação. A idéia era acumular poder de combate, derrotar o inimigo e depois deixar o teatro de guerra rapidamente, um conceito que veio a ser conhecido como Doutrina Powell, concebida pelo general Colin M. Powell, então chefe do Estado-Maior Conjunto e hoje secretário de Estado.
Agora, no entanto, a força é muito menor, cerca de 180 mil soldados, mais da metade já no interior do Iraque. E o ataque terrestre precedeu o principal ataque aéreo, uma reversão estratégica que os comandantes dizem ter sido necessária para manter a surpresa e capturar o campo petroleiro de Rumaila, mas que aumentou os riscos.
Quando a guerra começou, as forças terrestres norte-americanas eram uma força modesta dada a natureza ambiciosa da missão norte-americana: abrir caminho até Bagdá, que é defendida por cerca de seis divisões da Guarda Republicana, derrubar o regime de Saddam Hussein, enfrentar as unidades paramilitares e outras forças do regime nas cidades e aldeias e estabelecer a ordem.
A força também estava sendo empregada de maneira muito diferente. Em lugar de primeiro concentrar um poderio considerável e depois começar os combates, a invasão começou quando as forças ainda estavam chegando ao Kuait, um conceito conhecido como "partida rolante".
A idéia era que se a guerra provasse ser mais difícil do que o esperado, as forças continuariam chegando ao Kuait. Mas se o regime iraquiano fosse rapidamente derrubado, os reforços seriam cancelados. O Pentágono diz que essa abordagem oferece o máximo de flexibilidade. Mas o tema de uma escalada gradual representa um rompimento da doutrina militar posterior ao Vietnã.
A adoção desse conceito aconteceu após surgirem dificuldades entre Rumsfeld e o comando do Exército. Ele parece encarar o Exército como a menos receptiva a mudanças dentre as forças.

Vantagens
A abordagem de Rumsfeld, dizem seus defensores, tem vantagens. Foi concebida para tirar o máximo de vantagem da superioridade aérea dos EUA e, ao evitar uma concentração imensa, reduziu muito o tempo necessário a enviar uma grande força ao Golfo.
Loren Thompson, analista de defesa, concorda: "Creio que esse seja o futuro. Acho que a guerra se encaminha nessa direção. Não se pode deslocar forças terrestres com rapidez".
Alguns ex-comandantes do Exército estão falando publicamente que jamais acreditaram muito na idéia de "choque e pavor", os ataques aéreos para paralisar o governo iraquiano. Eles dizem que a força enviada ao Kuait precisa de mais artilharia, tanques e veículos de combate Bradley para enfrentar a Guarda Republicana. E alegam que mais forças facilitariam ao Exército proteger suas longas linhas de suprimentos e enfrentar os paramilitares ao sul.
Além de enfrentar a Guarda Republicana, o Exército está invadindo cidades no sul à procura de unidades paramilitares. Está encarregado de proteger as linhas de suprimentos. Tem de transportar os suprimentos necessários aos ataques contra Bagdá, tarefas que exigem muitos soldados.

Ironia
A ironia, asseveram os críticos, é que a força de Rumsfeld não é tão ágil quanto ele sugere.
Ela pode ser deslocada rapidamente, dizem, mas é tão limitada em número que precisa executar as tarefas em fases, o que prolonga a guerra. Uma força maior, alegam, seria mais capaz de manter o ritmo de ataque acelerado.
Na análise final, a guerra não é só uma batalha para derrubar um ditador. É uma experiência gigante para determinar que forças podem ser mais úteis no futuro.


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