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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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Avanços tecnológicos desafiam Convenções de Genebra

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Após 13 dias de guerra, uma constatação já pode ser feita: as Convenções de Genebra, criadas em 1949 para evitar que os horrores das grandes guerras se repetissem, não estão adaptadas aos avanços da tecnologia contemporânea, que permitem que a mídia mostre ao vivo cenas do front.
Imagens de militares americanos sendo exibidos às câmeras da TV iraquiana depois de sua captura em combate e de soldados iraquianos forçados, pelo Exército inimigo, a ajoelhar-se após sua rendição intensificaram as discussões sobre as leis internacionais de guerra. Já há até quem diga que as tão propaladas convenções deveriam ser modificadas para adaptar-se ao contexto atual.
"Talvez as convenções pudessem sofrer pequenas alterações para evitar controvérsias. Afinal, se o rosto dos prisioneiros de guerra não fosse mostrado e eles fossem tratados de modo humano, as imagens de sua prisão por forças inimigas poderiam não gerar tantas críticas", opinou Christopher Joyner, especialista em direito internacional da Universidade de Georgetown (EUA).
Todavia, para Allan Ryan, da Universidade Harvard (EUA), as Convenções de Genebra não precisam ser modificadas. "A mídia mostra hoje cenas que não eram vistas no passado. No entanto isso não significa que as leis de guerra devam adaptar-se aos avanços tecnológicos, passando a permitir certos abusos", afirmou Ryan.
As quatro convenções são relativas aos direitos dos civis em zonas de conflito, aos dos prisioneiros capturados em combate e às obrigações das autoridades militares. A controvérsia foi gerada pela Terceira Convenção de Genebra, já que um de seus artigos diz que os prisioneiros de guerra não devem ser "alvo de violência ou de intimidação" e precisam ser protegidos "de insultos e da curiosidade pública".
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha mostra-se inflexível quanto aos direitos do presos. "As Convenções de Genebra proíbem a publicação de imagens de prisioneiros de guerra. Elas se aplicam a todas as partes envolvidas no conflito atual", declarou Tamara al Rifai, porta-voz do CICV.
O presidente George W. Bush, por sua vez, afirmou que considerará criminosos de guerra aqueles que maltratarem militares americanos detidos. Mas os especialistas ouvidos pela Folha ressaltaram que só as violações verdadeiramente graves podem ser classificadas de "crimes de guerra".
Para Joyner, o espírito das Convenções de Genebra visa sobretudo resguardar a dignidade dos prisioneiros. "É por isso que digo que uma pequena alteração permitiria que os presos fossem exibidos desde que estivessem sendo bem tratados. Os avanços tecnológicos devem ser levados em conta pela Justiça internacional."
Organizações de defesa dos direitos humanos acusam os EUA de violar leis internacionais ao não aplicar as convenções aos combatentes do Taleban ou da rede Al Qaeda detidos durante a campanha militar no Afeganistão. Washington argumenta que elas não se aplicam aos presos porque eles não faziam parte do Exército regular do Afeganistão.
Outra preocupação dos analistas diz respeito às forças irregulares iraquianas. "Como se trata de um conflito clássico, que opõe um Estado a outros, esses homens deverão ser considerados prisioneiros de guerra. Mas, quando portam roupas civis e atacam o inimigo, eles cometem uma violação às leis de guerra", apontou Joyner.
De qualquer modo, como lembrou Charles Tilly, da Universidade Columbia (EUA), "o debate é positivo". "No passado, ocorriam violações às Convenções de Genebra, porém longe das TVs."


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