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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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BASRA

Piora nas condições de vida estimula ódio no sul

Para morador, "estaria tudo bem se os invasores trouxessem água"


Enquanto fornecermos menos auxílio e segurança nas áreas que controlamos do que Saddam fazia, e se a falta de assistência continuar, toda a missão será minada


NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES", PRÓXIMO A BASRA

Esta paisagem é o cruzamento entre o filme "Mad Max" e o "Inferno" de Dante. A estrada é forrada com carcaças de tanques iraquianos, artilharias e caminhões, enquanto os trêmulos britânicos de 20 anos usam seus tanques para criar postos de controle na margem de Basra.
Os iraquianos normais aqui parecem mais práticos do que muitos oficiais americanos. Enquanto ideólogos em Washington expressam um julgamento sobre o que os iraquianos querem, muitos iraquianos parecem menos categóricos e concordam suspender o julgamento até verem uma resposta à questão: as pessoas viverão melhor com a invasão?
Muitos iraquianos aqui estão com ódio porque até agora a invasão fez com que eles vivessem em pior situação que antes. Perderam comida, água potável e segurança.
"Estaria tudo bem se os invasores nos trouxessem água. Até agora, só trouxeram sede", afirmou Munshid, jovem que, como outros, não disse o sobrenome. "Os americanos estão nos tratando como animais", queixa-se Muhammad, 35.
Um antigo oficial do Exército, fugindo de Basra com a mulher e seis filhos, zombou quando indagado sobre se a invasão poderia trazer melhorias com o tempo. "Não vejo nada de bom nisso."
Esse ódio está latente agora, e é tão perigoso para os EUA quanto os homens-bomba. Ainda mais que a opinião popular, ao menos aqui no sul, pode voltar atrás se a coalizão proporcionasse qualidade de vida melhor.
É por isso que precisamos desesperadamente acelerar os esforços humanitários agora, e não depois de a guerra terminar. Enquanto fornecermos menos auxílio e segurança nas áreas que controlamos do que Saddam fazia, e se essa falta de assistência continuar, toda a missão será minada.
Sei que não há respostas fáceis. Vi um soldado atravessando uma fazenda repleta de caixas de tomates, até o posto de controle, estragando muitas delas. Pouco mais tarde, um iraquiano me disse que um homem tinha escondido uma AK-47 no fundo de uma dessas caixas, e espero que agora as tropas revistem cuidadosamente todas as caixas de tomates.
Um dos obstáculos que impedem o socorro é que o sul do Iraque é ainda muito perigoso, mesmo para voluntários de ajuda humanitária. Mesmo eu me juntei aos marines americanos -acompanhados do comboio de caminhões de alimentos vindos do Kuait por uma escolta militar mais forte- para viajar, à luz do dia, poucos quilômetros da fronteira do Kuait com a base britânica (na cidade de Umm Qasr).
Na base, três companheiros jornalistas e eu cobrimos nossa licença kuaitiana com fita adesiva e fomos por nossa conta para Basra. Corremos pela quase deserta estrada a cerca de 140 km/h, passando por veículos queimados e ocasionais pedestres sussurrando, como um homem que andou 16 km para comprar ovos para a família em Basra.
É difícil avaliar a opinião pública daqui, mas minha intuição é que ainda temos alguma esperança em ganhar aceitação popular, se pudermos tornar a vida dessas pessoas melhores.
Em uma das cenas de fogo cruzado próximo a Basra, peguei um pouco de munição vazia para dar aos meus filhos, porque eles estão com medo dos tanques. Preciso explicar-lhes, penso, que aqui no Iraque será preciso mais do que tanques para vencer esta guerra. Serão necessários segurança, água fresca -e ovos.


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