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JAPÃO
Nova biografia diz que o imperador foi dominante na Segunda Guerra, não o líder inseguro que a história registrou
Livro tira de Hirohito imagem de refém dos militares
HOWARD W. FRENCH
DO "THE NEW YORK TIMES", EM TÓQUIO
Herbert P. Bix não quer que ninguém pense que, com seu livro
"Hirohito and the Making of Modern Japan" (Hirohito e a gênese
do Japão moderno -HarperCollins), ele trouxe à tona qualquer
segredo obscuro sobre um líder
que passou seus 62 anos no trono
atrás de um véu espesso de sigilo.
Como o autor faz questão de reconhecer, muitas das informações do livro foram descobertas e
pesquisadas por colegas japoneses, apenas para serem quase
completamente ignoradas pelo
público do Japão, quando jornais
e as principais editoras do país hesitaram em divulgá-las.
Baseado em grande medida em
diários e cartas dos assessores e
contemporâneos do imperador,
Bix pintou o retrato de um líder
militarmente agressivo que era
informado sobre cada detalhe das
operações de guerra japonesas.
Fontes americanas bem informadas sobre o Japão afirmam que
a nova biografia muda por completo a visão amplamente aceita
de Hirohito, morto em 1989, como virtual refém de militaristas
durante a Segunda Guerra Mundial e, depois dela, símbolo pacífico da reconstrução japonesa.
A questão que suscita mais interesse de Bix, historiador de Harvard que dedicou sua vida ao estudo do Japão e que hoje leciona
na Universidade Hitotsubashi, no
Japão, é se, agora que seu livro
vestiu o imperador em novas roupas, os japoneses vão fazer uma
reavaliação de sua figura.
Em vista da disposição japonesa
de desviar seus olhos dos capítulos mais conturbados de sua própria história e resistir a fazer uma
auto-avaliação das atrocidades
cometidas pelo país na China e na
Coréia e do militarismo que provocou a guerra no Pacífico, Bix diz
que considera pouco provável.
"A direita constantemente recicla mitos sobre a guerra perdida, e
a mentalidade no Japão não mudou muito até hoje. Para isso
acontecer, será preciso haver leis
que protejam empresas que publicam ou divulgam materiais críticos sobre o tema", disse ele.
Mas Bix afirmou que não quer
que seu livro seja usado pelas pessoas para criticar o Japão por seu
passado. "Quero que os japoneses
deixem tudo isso para trás. Eu
gostaria que resultasse em algo
positivo. Para isso, é preciso começar determinando o que realmente aconteceu."
O livro de Bix foi gestado durante muitos anos e, fato estranho em
se tratando de uma obra que acabou sendo definitiva sobre o imperador, começou como um projeto mais amplo, um retrato das
elites japonesas em seu esforço
para aceitar a modernização.
"Quando comecei o livro, eu
nem sequer estava interessado em
Hirohito", contou Bix. "Mas sua
história foi me seduzindo aos
poucos e ele acabou por se tornar
o personagem central do livro. Eu
nem mesmo estava preocupado
com a questão dos culpados pela
guerra. Tentava relatar a história
da trajetória japonesa no século
20, mas foi como olhar para algo
por um caleidoscópio: você o gira
um pouco e o quadro muda de figura. De repente, a figura-chave, o
homem apenas à margem do
quadro, passa a ocupar o centro,
seu lugar de direito."
Em última análise, diz Bix, Hirohito não pôde fugir da responsabilidade da guerra "porque era
o único homem livre no país".
"Livre em dois sentidos: nunca,
até o final, lhe faltaram opções. E
era livre no sentido de que não havia ninguém superior a ele a quem
sua vontade tivesse de se sujeitar,
exceto os antepassados."
A história de como Hirohito foi
retirado do centro do quadro é
tão interessante quanto os detalhes da transição descrita pelo imperador, de figura insegura no
trono a verdadeiro líder de guerra
-a transição de um homem que
sempre concordava a posteriori
com as decisões tomadas por seus
chefes militares, como fez durante
o expansionismo japonês na
Manchúria (China), a um militarista de linha dura que exortou
seus generais a continuar combatendo até o fim, mesmo quando
sabia que sua causa já estava perdida na guerra contra os EUA.
Após o fim da guerra, os EUA tinham pressa em ocupar o vácuo
deixado pela queda do Japão e enfrentar os desafios estratégicos
colocados pelos soviéticos.
Segundo Bix, o general Douglas
MacArthur chegou ao Japão como comandante supremo do país
sob ocupação, com planos prontos para usar Hirohito para estabelecer uma paz pró-americana.
MacArthur, desfrutando de influência enorme sobre a política
japonesa, cooperou estreitamente
com Hirohito para apontar bodes
expiatórios apropriados a serem
julgados pelo Tribunal de Guerra
de Tóquio, eximindo o trono japonês de culpa pela guerra.
Um elemento crítico foi a carta
de MacArthur a seus superiores
em Washington dizendo que seus
esforços para analisar a situação
não tinham rendido provas de
responsabilidade imperial pela
guerra e que, se o imperador fosse
retirado do trono, 1 milhão de soldados seriam necessários para
manter a paz no Japão.
Segundo Bix, "tudo aconteceu
muito rapidamente, e a população japonesa não teve a chance de
refletir sobre a questão da responsabilidade pela guerra e do papel
planejado pela monarquia e desempenhado pelo imperador".
Tradução de Clara Allain
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