São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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TRAGÉDIA NOS EUA

Suspeitas de desvio de fundos e de favorecimento de grupos ligados ao governo pesam sobre reconstrução

Contratos pós-Katrina são contestados

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Suspeitas de desvio de fundos, de favorecimento de grupos ligados a influentes personalidades políticas e de fraude têm-se multiplicado nas últimas semanas em acalorados debates, até mesmo no Congresso dos EUA, sobre contratos fechados com empresas privadas para ajudar os sobreviventes ao furacão Katrina, que devastou uma grande área do sul do país e matou mais de mil pessoas.
Autoridades defendem-se das acusações e afirmam que, em situações emergenciais, a lei permite que contratos sem licitação pública sejam fechados -para atenuar os efeitos das catástrofes- e que controlarão estritamente o modo como o dinheiro previsto nos contratos será despendido.
Organizações de defesa dos direitos civis e de monitoração de ações governamentais sustentam, contudo, que, embora não seja ilegal, a prática de atribuir contratos sem licitação pública é contrária a padrões adotados pelo governo federal em qualquer caso.
"É verdade que a concessão de contratos em situação de emergência pode ser efetuada sem base em licitações abertas, de natureza competitiva. No entanto há um padrão que foi adotado há muito tempo pelo governo federal que prevê que qualquer contrato deve passar por uma disputa transparente entre as empresas interessadas em obtê-lo", explicou à Folha Alex Knott, do Centro por Integridade Pública, entidade sediada em Washington que monitora gastos governamentais nos EUA.
"Essa exigência tácita existe por duas razões básicas. Primeiro, ela assegura que o Estado conseguirá o preço mais justo pelos produtos ou pelos serviços que pretende adquirir. Segundo, ela permite que o governo e os cidadãos por ele beneficiados recebam os melhores produtos possíveis de seus fornecedores", acrescentou.
Segundo o diário "The New York Times", cerca de 80% dos contratos concedidos pela Fema (Agência Federal de Administração de Emergências) desde 29 de agosto, dia em que o Katrina chegou a Nova Orleans como um furacão de categoria quatro, foram atribuídos sem licitação ou com um número limitado de ofertas. O valor total desses contratos gira em torno de US$ 1,5 bilhão.
Na última quarta-feira, o "Washington Post" deu destaque a um contrato de US$ 239 milhões firmado com a empresa Carnival Cruise Lines para alojar desabrigados durante seis meses em três de seus navios de cruzeiro.
Estes estão hoje, de acordo com o jornal, com metade de sua capacidade ociosa. Mesmo que estivessem cheios, porém, a situação ainda seria grave. Afinal, o preço semanal pago pelo governo federal seria de US$ 1.275 por pessoa, enquanto um cruzeiro de uma semana pela região custa menos de US$ 600, segundo a mesma fonte.
"Não sei se se trata de algo imoral. Com certeza, todavia, não é o método apropriado de fazer esse tipo de negociação num país democrático. Normalmente, os contratos devem ser firmados com base no que é melhor para o interesse público, e a ausência de licitações não é o melhor método. Assim, tudo indica que parte dos contratos foi atribuída de modo questionável", afirmou Knott.
Entre as empresas favorecidas está a AshBritt, que é ligada ao governador do Mississippi, o republicano Haley Barbour. Ela recebeu um contrato de US$ 568 milhões para fazer a limpeza de áreas atingidas pelo Katrina. O valor é considerado excessivo por especialistas do setor ambiental.
Outras acusações de favorecimento pesam sobre duas empresas que já respondem por vultosos contratos para a reconstrução do Iraque: a Halliburton, que teve o vice-presidente Dick Cheney em seu comando de 1995 a 2000, e a Bechtel, que conta com o ex-secretário de Estado George Shultz em seu conselho de diretores.
A Kellog, Brown & Root, subsidiária da Halliburton já acusada de superfaturar serviços no Iraque, recebeu um contrato (com licitação) de US$ 16 milhões para drenar regiões alagadas, mas seu valor é considerado excessivo.

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