São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2006

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Irã mantém imprensa sob pressão cerrada

Em menos de dez anos, cem jornais desapareceram à força; restam cerca de 40 jornais nacionais no Irã

MARIE-CLAUDE DECAMPS
DO "MONDE", EM TEERÃ

Sobre um tabuleiro de xadrez, duas peças se enfrentam: um cavaleiro e um asno cercado de um halo de luz. Seria o caso de enxergar nesse desenho uma caricatura do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que, num discurso feito em 2005 na ONU, disse sentir-se envolto por uma "claridade luminosa" divina? Não era evidente. Apesar disso, alguns dias atrás o organismo de fiscalização da imprensa iraniana fechou o jornal reformista "Shargh" (Oriente) por "injúria" a personalidade pública.
"Não havia nada de político nisso. Mas eles precisavam de um pretexto!", explica Mohammad Atrianfar, responsável pela linha editorial na direção do jornal. E acrescenta: "Não se pode nem mesmo afirmar que tenhamos ultrapassado a linha vermelha, já que o governo não fixou nenhuma. Isso lhe permite castigar quem ele quiser".
Depois de três anos de existência e com mais de 120 mil exemplares vendidos por dia, o "Shargh" se converteu na voz das elites reformadoras contra a imprensa governamental. O jornal negocia para tentar levantar a proibição, mas muitos temem o pior.
Já em agosto, uma carta das autoridades criticando os artigos "que incitam à desordem" exigira a troca do diretor do jornal. "Há mais de um ano vínhamos sentindo que isso ia acontecer. Estamos acostumados. Jornalismo é profissão precária no Irã", diz Leila Nassyria, percorrendo os corredores desertos da redação do "Shargh", na zona norte de Teerã. Essa jovem de rosto obstinado sob o lenço de cabeça obrigatório deplora o fato de ser obrigada a parar de publicar sua seção da literatura estrangeira.
Em nove anos de jornalismo, Leila já trabalhou em sete organismos de imprensa, que foram sendo fechados um após o outro. "Alguns jornalistas não agüentam essa angústia e abandonam a profissão."
Três revistas foram fechadas no mesmo dia que o "Shargh". Em menos de dez anos, cem jornais desapareceram à força. Restam cerca de 40 jornais nacionais no Irã.

Lembrança
Novas publicações são lançadas, mas a liberdade de expressão que existia no início da Presidência reformadora de Mohammad Khatami, eleito em 1997, hoje é lembrança.
"Os conservadores controlam tudo", diz Mohammad Sadegh Janansefat, especialista em economia do jornal "Kargozaran". "Conheço grandes anunciantes interessados, mas eles preferem não trabalhar conosco para não ficarem malvistos pelos conservadores."
Uma ofensiva está em curso contra a TV via satélite (110 mil antenas parabólicas foram apreendidas em cinco meses), os blogs e os jornais online. O ministro da Cultura e das Mídias, Hossein Safar Harandi, anunciou a intenção de limitar as agências de notícias.
Será que se trata de um novo endurecimento em relação à mídia? "Nem chega a isso. É uma repressão indireta, apenas para que cada um tome o cuidado de se autocensurar", ironiza Mehran Ghasseimi, encarregado da seção internacional do jornal "Etemad e Melli", o mais recente jornal pequeno iraniano. Vendendo 70 mil exemplares diários, foi lançado há nove meses pelo partido homônimo, do reformista Mehdi Karoubi, ex-presidente do Parlamento.
"Agora que o "Shargh" foi fechado, somos nós que estamos na primeira linha de tiro", constata esse jornalista de 29 anos que, em dez anos de carreira, já trabalhou em 17 jornais. Ghasseimi relata com humor a corrida diária de obstáculos que todo jornalista é obrigado a enfrentar: sobretudo não mencionar as leis islâmicas ao falar dos direitos humanos, não criticar a pena de morte e tratar com superficialidade e tato a questão nuclear.
É preciso tomar cuidado com os passos em falso: "Aqui, um fechamento temporário é por dez anos", diz o jornalista. Em troca, o periódico falou da greve de fome do jornalista dissidente Akbar Ganji (libertado na primavera, depois de seis anos preso), questionou o papel do grupo Hizbollah no Líbano e criticou o governo.
E quando o tema é delicado demais? "A gente publica um despacho de agência de notícias, sem comentar."

Charges
Resta o quebra-cabeças das charges, o pretexto mais fácil para uma publicação ser fechada. O "Kargozaran" resolveu o problema deixando de publicar charges -são perigosas demais. Mas o "Etemad e Melli" continua a brincar com fogo. Autor de duas caricaturas de Ahmadinejad -"com seu nariz proeminente e seus olhos pequenos, ele é tão fácil de desenhar!"-, em uma das quais o presidente fabrica um átomo com pedaços de plantas, o ilustrador Hadi Heidari, 29, diz que fica espantado por não ter sido preso.


Tradução de Clara Allain

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