São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Terror procura dividir país, diz especialista

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os atentados de ontem atingiram os xiitas, mas tiveram como alvo paralelo a unidade do Iraque e o roteiro que ainda pode permitir um convívio democrático entre seus grupos étnicos.
É o que disse à Folha Richard W. Murphy, que foi subsecretário de Estado para o Oriente Médio durante o governo de Ronald Reagan (1981-1989) e, antes disso, embaixador norte-americano na Síria e na Arábia Saudita. Ele é hoje pesquisador no Council on Foreign Relations, em Nova York.
Eis os principais trechos de sua entrevista.
 

Folha - Qual foi o principal objetivo dos atentados: a comunidade xiita ou o processo de normalização política no Iraque?
Richard Murphy -
Foram a meu ver dois os alvos, os xiitas e os esforços de normalização política da coalizão. Foi o cumprimento da ameaça feita há duas semanas por Zawahiri [adjunto de Osama bin Laden, em gravação levada ao ar pela Al Jazira], para que seus homens no Iraque dessem uma demonstração de força.

Folha - Foi então uma ação terrorista da Al Qaeda?
Murphy -
Quando nos referimos à Al Qaeda estamos falando de uma organização que não tem fronteiras definidas, que não tem uma organicidade clara. Não sabemos até agora ao certo como essa gente funciona.

Folha - Os partidários de Saddam também teriam interesse em ações como essa, por mais que não tivessem vínculos com Bin Laden.
Murphy -
Nossos serviços de inteligência não conseguiram ainda fornecer um quadro nítido sobre essa questão. Não sabemos se há conexão entre os partidários de Saddam e o terrorismo islâmico. Há a meu ver uma clara intenção de explorar as tensões históricas que existem no Iraque entre sunitas e xiitas. Durante a ditadura de Saddam, essas tensões foram abafadas, porque ele favorecia os sunitas e não tinha os xiitas como alvos preferenciais de sua perseguição, que eram os curdos.

Folha - Os xiitas exigem eleições para transformar a maioria demográfica que os beneficia em maioria política. Os atentados não seriam uma resposta?
Murphy -
É uma interpretação possível. Mas, a curto prazo, foi bem mais um golpe no esforço de manter o país unido e na direção de uma solução política. É algo que descontenta o núcleo clandestino do partido Baath, de Saddam, que é sunita e explora as tensões étnicas do Iraque.

Folha - Até que ponto o atentado também não atingiu o cronograma americano de transferência do poder aos iraquianos em 30 de junho?
Murphy -
Estamos vivendo uma situação bastante difícil e complexa. Não é fácil manter o país unido e no caminho de alguma forma mais representativa e democrática de governo.

Folha - O governo Bush previa a seu ver tantas dificuldades?
Murphy -
Creio que não. Reitero que as informações de nossos serviços de inteligência sobre o Iraque eram extremamente limitadas, deficientes. Estamos aprendendo pelo caminho mais árduo.

Folha - Essa limitação continua?
Murphy -
Ela é hoje menor. Conseguimos prender Saddam.


Texto Anterior: Comentário: País entra em período sinistro de sua história
Próximo Texto: EUA vêem ação contra democracia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.