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ANÁLISE
Terror procura dividir país, diz especialista
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os atentados de ontem atingiram os xiitas, mas tiveram como
alvo paralelo a unidade do Iraque
e o roteiro que ainda pode permitir um convívio democrático entre seus grupos étnicos.
É o que disse à Folha Richard
W. Murphy, que foi subsecretário
de Estado para o Oriente Médio
durante o governo de Ronald
Reagan (1981-1989) e, antes disso,
embaixador norte-americano na
Síria e na Arábia Saudita. Ele é hoje pesquisador no Council on Foreign Relations, em Nova York.
Eis os principais trechos de sua
entrevista.
Folha - Qual foi o principal objetivo dos atentados: a comunidade
xiita ou o processo de normalização política no Iraque?
Richard Murphy - Foram a meu
ver dois os alvos, os xiitas e os esforços de normalização política
da coalizão. Foi o cumprimento
da ameaça feita há duas semanas
por Zawahiri [adjunto de Osama
bin Laden, em gravação levada ao
ar pela Al Jazira], para que seus
homens no Iraque dessem uma
demonstração de força.
Folha - Foi então uma ação terrorista da Al Qaeda?
Murphy - Quando nos referimos
à Al Qaeda estamos falando de
uma organização que não tem
fronteiras definidas, que não tem
uma organicidade clara. Não sabemos até agora ao certo como
essa gente funciona.
Folha - Os partidários de Saddam
também teriam interesse em ações
como essa, por mais que não tivessem vínculos com Bin Laden.
Murphy - Nossos serviços de inteligência não conseguiram ainda
fornecer um quadro nítido sobre
essa questão. Não sabemos se há
conexão entre os partidários de
Saddam e o terrorismo islâmico.
Há a meu ver uma clara intenção
de explorar as tensões históricas
que existem no Iraque entre sunitas e xiitas. Durante a ditadura de
Saddam, essas tensões foram abafadas, porque ele favorecia os sunitas e não tinha os xiitas como alvos preferenciais de sua perseguição, que eram os curdos.
Folha - Os xiitas exigem eleições
para transformar a maioria demográfica que os beneficia em maioria política. Os atentados não seriam uma resposta?
Murphy - É uma interpretação
possível. Mas, a curto prazo, foi
bem mais um golpe no esforço de
manter o país unido e na direção
de uma solução política. É algo
que descontenta o núcleo clandestino do partido Baath, de Saddam, que é sunita e explora as tensões étnicas do Iraque.
Folha - Até que ponto o atentado
também não atingiu o cronograma
americano de transferência do poder aos iraquianos em 30 de junho?
Murphy - Estamos vivendo uma
situação bastante difícil e complexa. Não é fácil manter o país unido e no caminho de alguma forma mais representativa e democrática de governo.
Folha - O governo Bush previa a
seu ver tantas dificuldades?
Murphy - Creio que não. Reitero
que as informações de nossos serviços de inteligência sobre o Iraque eram extremamente limitadas, deficientes. Estamos aprendendo pelo caminho mais árduo.
Folha - Essa limitação continua?
Murphy - Ela é hoje menor. Conseguimos prender Saddam.
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