São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2000

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Árabes de Israel se aliam aos palestinos

PHIL REEVES
DO "THE INDEPENDENT", EM UM AL FAHEM

Além de seu nome, há duas coisas que chamam a atenção imediatamente em Nakad Nakad. A primeira é seu jeito de ser caloroso. A segunda, a vontade de falar sobre seu ferimento. Mal acabáramos de apertar as mãos, e ele já erguia a calça para me mostrar um ferimento feio na panturrilha.
"Foi uma bala de borracha da polícia", explica. "Não estávamos fazendo nada, apenas estávamos parados na rua, quando, de repente, a polícia ficou maluca e bam-bam-bam!" Nakad me descreveu o acontecido num tom de voz extremamente prosaico. Não é a primeira vez em que é ferido por policiais israelenses. Mas admite que sua perna dói muito.
Nakad é um árabe israelense, ou, como a maioria prefere ser descrita, palestino com cidadania israelense. Eles são 1,1 milhão dos 6,2 milhões de habitantes de Israel, uma minoria problemática que não deve ser confundida com os palestinos da faixa de Gaza ou da Cisjordânia.
Os primeiros vivem dentro das fronteiras de Israel, têm passaportes e direito ao voto. Os últimos travam uma luta interminável para convencer os israelenses a devolver uma parte suficientemente grande de seu território -ocupado desde 1967- para que possam criar um Estado próprio.
Nakad é líder do ramo estudantil do partido árabe Hadash e exerce papel ativo na política. A mídia israelense vem dizendo que a população árabe está cada vez mais irada e militante.
A violência em Gaza e Cisjordânia transbordou para fora dos territórios ocupados e chegou às cidades e vilas árabes em Israel, com consequências fatais. Os tumultos chegaram até mesmo à cidade costeira de Haifa, que há muito se gaba da convivência pacífica de árabes e judeus.
Pela primeira vez desde 1976, quando seis árabes israelenses morreram em protestos por questões fundiárias, tropas de segurança israelenses colocaram munição real em suas armas e mataram cidadãos árabes de seu próprio país.
Uma das áreas mais atingidas pela violência foi Um al Fahem, cidade de cerca de 35 mil árabes situada ao lado da fronteira israelense pré-1967, onde vários milhares de jovens atiraram pedras e bombas de gasolina, enquanto policiais israelenses abriam fogo.
Com os preparativos para o enterro de uma vítima da violência começando num estádio de futebol visível de sua janela e bandeiras negras tremulando nos telhados vizinhos, o jornalista Mohammed Ahmad Jabarin, 24, oferece uma explicação sombria para a explosão de violência.
"O problema principal é que sentimos que, na condição de árabes, não temos status no Estado judaico. Nos últimos quatro anos, confiscaram nossas terras e demoliram nossas casas, que, alegam, foram construídas sem alvarás. Mas não sabemos onde nos situamos sob a lei judaica. O estranho é que falamos o hebraico melhor do que a maioria dos judeus, especialmente os russos."
Parece que muitos árabes israelenses também não sabem muito bem como se situam em relação aos palestinos dos territórios ocupados. Eles se ressentem do preconceito que dizem sofrer em Israel e se queixam de que têm seu acesso negado aos melhores empregos, às melhores terras e aos serviços de saúde. Alguns já foram acusados por Israel de colaboração com os palestinos responsáveis por atentados -em alguns casos, com razão.
Apesar disso, sabem que seus direitos civis, os benefícios sociais que recebem do governo e a influência política que exercem -têm dez deputados no Parlamento- poderiam ser ainda menores sob o governo autocrático de Iasser Arafat. O mesmo se aplica a suas contas bancárias. Os salários e padrões de vida em Israel são muito melhores do que em Gaza ou na Cisjordânia. Existe muita preocupação sobre como os árabes de Israel serão tratados se o país algum dia fechar um acordo com Arafat.
Mas a questão em jogo neste momento não é dinheiro. É identidade, dignidade e etnia. A maioria dos árabes israelenses é formada por muçulmanos. Na semana passada, quando o líder do Likud (oposição), Ariel Sharon, pisou nos locais sagrados muçulmanos na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, desencadeou forças cujas raízes estão fincadas muito fundo na história e na religião. Os acontecimentos acabaram por radicalizar alguns árabes israelenses, como Mohammed, homem na casa dos 30 anos de Um al Fahem, cuja mão estava enfaixada -foi ferida por uma bala de borracha. "Não temos medo de morrer. Não temos medo dos israelenses. Se um de nós morrer, saberá que morreu pelos locais sagrados e que sua mulheres gerará filhos que tomarão nossos lugares."


Tradução de Clara Allain


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