São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2000

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ALEMANHA, ANO 10
No lado oriental, 89% aprovam a reunificação, mas 90% dizem que bem-estar social era melhor
Comunismo deixa saudade no leste alemão

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Exatos dez anos depois da reunificação da Alemanha, a integração tem apoio maciço, mas, ambiguamente, a maioria dos habitantes da parte oriental, ex-comunista, demonstra certa saudade do velho regime.
De fato, 89% dos alemães-orientais dizem que aprovam a unificação, a maior porcentagem já encontrada em uma série histórica de 13 anos (iniciada, portanto, antes da unificação).
Mas, ao mesmo tempo, 90% dizem que o modelo de bem-estar social da antiga Alemanha Oriental era melhor do que o da Alemanha unificada.
Os números surgem de uma pesquisa financiada pela Fundação Friedrich Ebert, ligada ao SPD, o Partido Social Democrata, ora no poder.
De certa forma, o levantamento põe números científicos na percepção empírica de que o processo de unificação está consolidado.
Tanto que, se alguém procura uma evidência física dos velhos tempos, terá de ir, paradoxalmente, até a Embaixada dos EUA.
O quarteirão em que fica o prédio, no coração da antiga Berlim Oriental, está cercado por rolos de arame farpado, tal como ocorria antigamente na terra de ninguém entre o Muro de Berlim e a então Alemanha Oriental.
É verdade que sobrevivem também os sacos de areia que protegem a casinha de madeira que foi o Check-Point Charlie, porta de entrada para o setor norte-americano de uma cidade dividida entre quatro potências ocupantes (EUA, a então União Soviética, França e Reino Unido).
Mas servem apenas para que os turistas tirem fotos nesse que foi o cenário indefectível de nove entre dez filmes sobre a Guerra Fria que tivessem a Alemanha como protagonista.
No mais, não há na superfície sinais visíveis da absorção, pelos 62 milhões de alemães-ocidentais, de seus 16 milhões de compatriotas do leste. Um fenômeno único na história, até agora: a anexação de uma economia socialista por uma capitalista.
Os símbolos de uma e de outra até convivem na mesma avenida, a Unter den Linden, que já foi a mais elegante de Berlim, antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), murchou depois dela, porque ficou no lado oriental, e renasce agora.
Numa das esquinas, resistem a foice e o martelo do comunismo, no logotipo da loja da Aeroflot, a companhia aérea da Rússia (como da URSS). Na seguinte, fica a loja da Jaguar/Rolls Royce, o que há de mais requintado sobre rodas no capitalismo.
Sob a superfície, no entanto, há ainda resmungos de parte a parte. Os alemães-ocidentais queixam-se do alto custo da absorção da fatia oriental.
O valor total bate na impressionante marca de 1,2 trilhão de marcos (US$ 540 bilhões, quase o tamanho da economia brasileira).
Calcula-se que mais um terço desse valor terá de ser gasto para colocar a infra-estrutura do lado oriental no patamar da que dispõe o setor ocidental.
Os alemães-orientais, por sua vez, continuam se queixando de que são tratados como cidadãos de segunda classe por seus compatriotas ocidentais.
Queixas à parte, as diferenças vão murchando lenta mas seguramente.
"A renda líquida da família (oriental) já é agora equivalente a 90% da renda na Alemanha Ocidental", festeja Rolf Schwanitz, comissário do governo federal para Assuntos dos Novos Estados (os cinco anexados pela Alemanha Ocidental). Em 1990, era apenas a metade.
Os alemães-orientais que são donos da própria casa chegam a 40%, proporção praticamente igual à do lado ocidental.
É verdade que o desemprego (17,6%) ainda é o dobro do que se verifica na antiga Alemanha Ocidental, mas Schwanitz nota "sinais iniciais de uma tendência positiva também no mercado de trabalho".
Para uma região em que três quartos dos trabalhadores chegaram a ficar desempregados, após o colapso do antigo regime, é um formidável progresso.
Em matéria de crescimento econômico, as duas porções já seguem a mesma velocidade (cresceram, ambas, 1,5% no ano passado). O que não é suficiente para encurtar a distância, já que a renda "per capita" do lado oriental é ainda equivalente a apenas dois terços da que se contabiliza do outro lado.
Com mais lentidão que o encurtamento da distância econômica, opera-se igualmente um incipiente aumento da presença de alemães orientais nos cargos políticos mais relevantes.
O mais notável exemplo é a ascensão de Angela Merkel, uma oriental, à liderança da CDU (a União Democrata Cristã, que estava no poder quando da unificação e, hoje, é oposição).
Também é um oriental o presidente do Bundestag (Parlamento Federal), Wolfgang Thierse.
Pode não bastar, mas se foi o tempo em que a roupa denunciava quem era do leste. Bastava que sua calça jeans fosse mal ajambrada. Hoje, o alemão-oriental ainda compra menos calças (seu salário é 25% inferior ao do ocidental), mas compra as mesmas calças.

Kohl
A comemoração oficial da data será realizada em Dresden, primeira cidade oriental que o chanceler da Alemanha Ocidental na época, Helmut Kohl, visitou após a queda do Muro de Berlim. Mas Kohl, símbolo da reunificação e envolvido em escândalo de arrecadação de fundos eleitorais, disse que não comparecerá.


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