São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÕES NOS EUA

Sistema que atrasou resultado da eleição de 2000 é substituído, mas especialistas criticam urnas eletrônicas

Dúvidas ainda rondam a Flórida após 4 anos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Flórida é um Estado ainda sob suspeita eleitoral. Resolveu o principal problema que retardou por 36 dias a divulgação dos resultados finais da eleição presidencial de há quatro anos, ao se desfazer, em maio de 2001, das máquinas de votar baseadas no sistema de cartões perfurados.
Por causa sobretudo delas, com quase 40 anos de uso, que 175.010 votos deixaram de ser computados. É pouco diante dos mais de 6 milhões de eleitores que na época por lá votaram. Mas é muito, quando se sabe que o republicano George W. Bush derrotou na Flórida o democrata Al Gore por apenas 537 votos, no embate decisivo pela sucessão da Casa Branca.
Os velhos aparelhos foram substituídos por dois sistemas simultâneos. Nos condados menores, cédulas manuais são apuradas por meio de leitura ótica.
Nos 15 maiores condados, com mais da metade dos eleitores (entre eles, o de Miami) o governo gastou US$ 24,5 milhões e comprou 7.200 urnas eletrônicas.
Elas são um pouco diferentes das brasileiras. O eleitor, em lugar de digitar o número do candidato, encosta a ponta do dedo na tela para indicar o concorrente que pretende eleger.
Mas é justamente aí que começa uma nova série de dúvidas. "Essas urnas não são confiáveis. Têm sérios problemas que já apareceram na eleição estadual de 2002", disse à Folha Martha Mahoney, professora da Faculdade de Direito na Universidade de Miami e especialista em questões eleitorais.
Ela cita um exemplo. No condado de Hillsborough, 245 votos foram corretamente registrados pelas urnas eletrônicas, mas um defeito impediu que eles fossem tabulados. Outros problemas surgiram nas primárias deste ano, em Palm Beach e Broward.
Grupos de pressão se organizaram para pedir uma auditoria técnica independente. E acreditam que o governo se recusou a fazê-la para não criar caso em torno de um episódio a seu ver isolado.
É o que disse à Folha Sandy Wayland, que preside o mais ativo desses grupos, o Miami-Dade Election Reform Coalition. Wayland diz que o ex-presidente democrata Jimmy Carter tem toda a razão ao dizer, como o fez na segunda-feira, em texto no "Washington Post", que "a Flórida não pode votar com segurança".
Ele preside o Carter Center, instituição que monitora eleições em países como a Venezuela, a Nigéria e a Indonésia.
Misturar a Flórida no mesmo saco foi no mínimo humilhante. O governador Jeb Bush, irmão do presidente George W. Bush, reagiu com declaração em que acusou Carter de ser "partidário".
Quem saiu em defesa de Carter foi um dos mais bem-organizados lobbies liberais dos Estados Unidos, a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU). Uma de suas diretoras na Flórida, Alessandra Soler Meetze, disse à Folha que o problema mais sério das urnas eletrônicas está no fato de ela não poder emitir uma espécie de comprovante impresso, pelo qual o eleitor saberá se o seu voto será corretamente computado.
A ACLU moveu contra a Flórida processo numa Corte Federal de Atlanta (Estado da Geórgia) para que, em caso de necessidade de recontagem, houvesse algum meio de imprimir os resultados eletrônicos. A decisão do juiz saiu na última terça-feira. Ele obriga o Estado a redigir uma nova regulamentação que leve em conta a impressão em caso de resultados próximos de um empate, como aconteceu em 2000.
Mas os problemas não se esgotam com as urnas. Há um segundo pacote de controvérsias, relativo a quem pode votar.
Nos EUA, são os Estados que definem os critérios. E a Flórida não permite que participem das eleições cerca de 600 mil cidadãos indiciados por algum crime grave ou leve (homicídio, atentado ao pudor, acidente de automóvel).
A ACLU diz que essa lei, que data de 1868, foi feita para diminuir os direitos políticos dos escravos recém-libertos, presos com freqüência por embriaguez ou desacato à autoridade.
E ainda hoje, afirma a entidade, um a cada três cidadãos negros tem algo em sua remota ficha corrida que o impede de votar.
Em 2000 o governo do Estado contratou uma empresa para cruzar os arquivos do Judiciário e da polícia com as listas eleitorais. Essa empresa incluiu indevidamente entre os politicamente "cassados" cerca de 2.000 negros, em geral eleitores democratas. Mas o fez com apenas 61 hispânicos, de origem cubana, em geral eleitores do Partido Republicano.
Martha Mahoney, a professora da Universidade de Miami, afirma que a mídia saiu atrás do assunto. O governo não queria divulgar lista dos "cassados". A CNN entrou na Justiça e obteve o direito de consultá-la. Vieram em seguida o "Miami Herald" e outro pequeno jornal do interior.
"É incrível que jornalistas tenham percebido em poucas horas uma discriminação que as autoridades fingiram desconhecer durante meses", diz a pesquisadora.
As "autoridades" são, justamente, o terceiro núcleo de problemas. Como inexiste nos Estados Unidos uma Justiça Eleitoral, cada Estado organiza as eleições segundo sua próprias receitas.
Na Flórida, a autoridade eleitoral é subordinada à Secretaria de Estado, por sua vez ocupada por político de confiança do governador. Em 2000, era secretária Katherine Harris, ao mesmo tempo uma das coordenadoras da campanha de Bush na região. Sua sucessora, Glenda Hood, também é republicana e empenhada na reeleição do irmão do governador.
Mas nesse ponto os grupos de pressão estão divididos. A ACLU não acredita que haja necessariamente um direcionamento partidário na área eleitoral. Seu argumento, dado por Alessandra Soler Meetze: o Estado é dividido em 67 condados, que têm a mais ampla autonomia para organizar a votação. Glenda Hood não comanda esse aparato institucional.


Texto Anterior: Ataques matam 46 no nordeste da Índia
Próximo Texto: Eleições nos EUA: "No fundão", Bush azucrinava professor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.