São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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ELEIÇÕES NOS EUA

Yoshi Tsurumi conta que seu notório ex-aluno em Harvard "não prestava atenção em nada" e vivia de ressaca

"No fundão", Bush azucrinava professor

LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK

Professores não costumam ter as lembranças mais felizes da "turma do fundão", e o caso de Yoshi Tsurumi não é muito diferente. Bom, exceto por uma coisa. Seu aluno-problema em Harvard, 31 anos atrás, chegou à Presidência dos EUA. E agora está tentando permanecer lá.
"George Bush... Muito, muito problemático", balança a cabeça Tsurumi, que ainda guarda o sotaque japonês apesar de estar nos EUA há mais de três décadas. Ele recebeu a Folha nesta semana em seu escritório, no Baruch College (City University de Nova York), para narrar as lembranças da época em que lecionava análise ambiental para administração na Harvard Business School.
Bush freqüentou a aula de Tsurumi de setembro de 1973 a maio de 1974, quando tinha 27 anos e fazia seu MBA. "Ele sentava no fundo da classe, ficava mascando chiclete ou tabaco e cuspindo em um copo de papel, não prestava atenção em nada", diz o professor, estendendo a lista de problemas. "Ele nunca chegou bêbado ou chapado, mas era normal vir de ressaca ou matar aula."
O que incomodava Tsurumi, porém, não era o comportamento de Bush ante os estudos nem suas notas -embora estivesse, diz, entre os 10% piores da classe. O problema eram suas idéias.
"Ele mostrava ignorância e arrogância. E agia como se aquilo que ele não soubesse ou não conhecesse simplesmente não existisse", afirma o professor.
Nos despropérios que o futuro presidente disparava em suas aulas, diz Tsurumi, transpareciam altas doses de preconceito. "Falando uma vez sobre seguridade social, ele disse que as pessoas eram pobres porque tinham preguiça de trabalhar."
E havia a aparente obsessão com o comunismo. "Quando estávamos estudando a Grande Depressão, ele dizia que o New Deal de Franklin Roosevelt era socialista por prezar os sindicatos e defender os sistema de seguridade social", enumera. "Quando exibi "As Vinhas da Ira" para dar aos alunos uma idéia do que ocorreu no período, o comentário dele foi de que era um filme "comuna"."
Tsurumi também endossa a versão de que Bush, para evitar ir à Guerra do Vietnã, conseguiu rapidamente um posto na Guarda Nacional graças aos contatos de seu pai. O tema foi foco de debate na mídia americana nos últimos meses, ainda inconcluso.
"Ele não escondia isso de ninguém, pelo contrário, se vangloriava de suas conexões", relata. "Perguntei como havia conseguido a vaga, e ele respondeu: "Consegui pelos amigos do meu pai"."
Impressões como essa fizeram Tsurumi marcar Bush entre os outros 84 alunos de sua classe. "O programa em Harvard nos fazia ter muito contato com os alunos, e com as idéias de Bush era difícil ele não chamar a atenção", diz, num aparente esforço para justificar a precisão de sua memória.
Nas últimas semanas, quando começou a escrever artigos no jornal da cidade onde vive, Scarsdale, e a falar com colunistas de jornal, Tsurumi diz ter se tornado alvo de uma série de ameaças por e-mail e telefone. Ele também acusa a Casa Branca de promover uma campanha para desacreditá-lo, ao que atribui o fato de seus colegas de Harvard não trazerem à tona o passado do presidente.
Antes de se despedir da reportagem, o professor alerta. "Não pense que Bush é burro. Ele é muito perspicaz. O que eu falo de ele ter sido um mau aluno tem a ver com ele ser preguiçoso, desatento, desinformado. Mas não com ele ser burro."


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