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São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2003

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Apesar da brutal diferença no saldo de mortos, crescimento de ataques preocupa autoridades e especialistas

Trauma do Vietnã já ronda crise iraquiana

DA ""REUTERS", EM WASHINGTON

A Guerra do Vietnã começa a penetrar na discussão americana sobre o Iraque. Especialistas e autoridades falam em guerra de guerrilha, em pacificar o país, em combater insurgentes e até sobre uma retirada com honra.
A tendência se acentuou com o ataque a mísseis ao hotel que hospedava o subsecretário da Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz, no domingo, dia 26, e as quatro explosões de carros-bomba que atingiram o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e três delegacias no dia seguinte, matando ao menos 35 pessoas -tudo em Bagdá.
Deve ganhar impulso com a derrubada de um helicóptero americano ontem, perto de Fallujah, que, ao deixar 15 soldados mortos e 21 feridos, passou a ser o pior ataque do pós-guerra para os EUA.
Em editorial publicado na quarta-feira, o jornal americano "The Washington Post" disse que a onda de ataques "provavelmente visa o efeito que teve a ofensiva do Tet lançada em 1968 no Vietnã: convencer os EUA de que suas tropas combatem por uma causa fadada à derrota e que devem ser retiradas -mesmo que, em termos militares, não seja o caso".
"Como os do Tet, os ataques lançados até agora não representam nenhuma ameaça estratégica à presença militar americana no país. Além disso, são pequenos quando comparados aos de 1968, que mataram mais de 3.800 militares americanos e 14 mil civis vietnamitas", prosseguiu o jornal.
"Mesmo assim, os atentados têm chocado os iraquianos, intimidado alguns potenciais aliados americanos e intensificado as dúvidas do Congresso e da opinião pública sobre a missão no Iraque", afirmou o editorial.
Na terça-feira, Sandy Berger, que foi assessor de segurança nacional do ex-presidente Bill Clinton, formulou uma pergunta que durante muito tempo atormentou os responsáveis pela política norte-americana no Iraque: "Independentemente de como chegamos aqui, como podemos sair com honra, integridade e com um resultado melhor do que aquilo que encontramos ao chegar?".

Pacificação
Indagado por um jornalista europeu sobre o andamento da guerra no Iraque, Richard Armitage, subsecretário de Estado dos EUA, falou em "pacificação" -um termo clássico utilizado no Vietnã- para sugerir que a situação em boa parte do país parece ser de calma. "É um quadro misto, mas achamos que cerca de 80% do país está pacificado e em situação benigna", disse ele.
"O quadro ainda é problemático em cerca de 20% do país, especialmente no chamado triângulo baathista [sunita]", acrescentou, citando o bastião do extinto partido Baath, ao qual pertencia Saddam Hussein -a área entre Bagdá, Tikrit e Ramadi.
Seu comentário não foi de grande consolo a Berger, que vê ali táticas da guerra de guerrilha clássica. "O fato de as coisas estarem indo bem em muitas partes do país não me reconforta muito, porque, numa insurgência, as coisas geralmente vão bem na maior parte do país. Os insurgentes escolhem, de maneira altamente estratégica, alvos de alto valor para criar perturbações em algumas partes."
Berger disse que concorda com o presidente George W. Bush sobre o fato de um Iraque estável e em processo de modernização ser uma dádiva para região, mas afirmou temer que uma retirada americana prematura através da "iraquificação" -a transferência acelerada da responsabilidade pela segurança para as forças iraquianas e a retirada americana- poderia ser um grande erro.

Credibilidade em jogo
"Acho que será uma derrota séria na guerra contra o terrorismo, porque passará a mensagem de que "basta bater suficientemente forte que eles partirão". Não podemos fazer isso", disse Berger a jornalistas, repetindo um dos argumentos americanos usados para justificar a permanência na Guerra do Vietnã -de que a credibilidade dos EUA seria seriamente prejudicada pela retirada.
Os conflitos do Vietnã e do Iraque não podem ser comparados, em termos de perdas de vidas. A Guerra do Vietnã deixou mais de 58 mil americanos mortos entre 1955 e 1975; apenas 253 soldados americanos foram mortos em ação durante a guerra do Iraque, 138 deles desde 1º de maio, quando Bush declarou o fim das principais operações de combate.
Bruce Buchanan, professor de administração pública na Universidade do Texas, em Austin, disse que a analogia do Vietnã está sendo aplicada ao Iraque porque os americanos parecem estar compreendendo que, como escreveu o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, num memorando em outubro, a ocupação americana do Iraque provavelmente será um empreendimento longo e difícil.
"Começam a surgir dúvidas sobre a coragem dos americanos em persistir. Foram exatamente essas dúvidas que surgiram na Guerra do Vietnã", disse Buchanan. "Elas estão vindo à tona não porque os ataques sejam semelhantes nem porque a configuração dos problemas nos dois países seja semelhante. O que é semelhante é a percepção de que existe um problema muito difícil que promete mais sofrimento do que recompensas no futuro próximo."



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