São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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Pleito legislativo é vital para futuro dos EUA


Eleição legislativa definirá extensão do poder de Bush ou limites do de Kerry

Controle republicano dos três Poderes ameaçaria democracia, dizem analistas



MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Embora tenha sido relegada ao segundo plano em razão da forte polarização partidária existente em torno do pleito presidencial, a eleição legislativa americana deste ano é de suma importância para o futuro do país, de acordo com especialistas em política dos EUA consultados pela Folha.
"A eleição legislativa deste ano é crucial para o futuro dos EUA porque ainda vivemos aqui num clima de pós-11 de Setembro. Ela definirá a extensão do poder do presidente [George W.] Bush se ele for reeleito ou os limites do de [John] Kerry se ele conseguir bater seu oponente republicano", analisou David H. Donald, professor emérito de história dos EUA da Universidade Harvard (Massachusetts) e ganhador do Prêmio Pulitzer em 1960.
"Mesmo que vençam a Presidência, os democratas dificilmente conseguirão conquistar maioria no Senado ou na Câmara. Com os republicanos no controle das duas Casas do Legislativo, haverá um bloqueio, e Kerry pouco poderá fazer para introduzir suas políticas domésticas", acrescentou o historiador, um dos mais reputados do mundo acadêmico dos EUA, e autor de dezenas de livros sobre a história americana.
Diante desse quadro, Kerry deverá priorizar a mesma área que foi privilegiada por outros presidentes que enfrentaram a mesma situação: a política externa. "É sempre mais fácil para um presidente que luta contra uma forte oposição do Senado e da Câmara concentrar-se na política externa, pois ela não requer a anuência do Congresso para quase tudo, como é o caso da maioria das políticas domésticas", indicou Donald.
Segundo Matthew Crenson, cientista político e co-autor de "Downsizing Democracy" (apequenando a democracia), a disputa pela maioria na Câmara já está definida, pois os republicanos "manterão sua vantagem atual sobre os democratas", que é de 24 cadeiras, "ou perderão apenas uma parcela ínfima dela".
"O Senado está quase dividido [os republicanos têm uma vantagem de três assentos], mas creio que os republicanos venham a manter maioria na Casa porque os lugares em que eles estão com problemas, como Kentucky, não são muito numerosos", apontou o pesquisador da Universidade Johns Hopkins (Baltimore).
"Ademais, os democratas também têm problemas em alguns lugares, como Dakota do Sul, onde o líder da oposição, Tom Daschle, está com problemas para reeleger-se. Assim, a Câmara Alta deverá permanecer nas mãos dos republicanos", completou Crenson.
Conseqüentemente, de acordo com os analistas, Bush terá caminho livre para aprofundar suas políticas se for reeleito. "Ele verá sua vitória eleitoral como uma aprovação popular de suas políticas. Embora, em 2000, Bush não tenha recebido um verdadeiro mandato da população, ele governou como se isso tivesse ocorrido. Se vencer agora, ele pensará, portanto, que deverá aprofundar suas medidas", explicou Crenson.
"Sem dúvida, no que tange à política externa, Bush aplicará essa tese. Todavia a crise no Iraque ainda o manterá ocupado por um bom tempo, o que nos leva a crer que ele não venha a embarcar em outra aventura, como um ataque à Síria. O Irã e a Coréia do Norte também o manterão ocupado."
"Na cena doméstica, Bush deverá dar mais ênfase a suas políticas e a suas propostas atuais. Ele tentará, por exemplo, obter a aprovação de uma privatização parcial da Previdência Social e de um maior controle estatal das despesas de fundos federais. Também buscará aprovar uma reforma do seguro-saúde. Com ambas as Casas do Legislativo em suas mãos, ele ficará à vontade", completou.

Perigo para a democracia
Donald ressaltou, no entanto, que esse quadro seria "muito perigoso para a democracia americana ou de qualquer ou país".
"Se Bush for reeleito, todas as ramificações do poder federal, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, ficarão nas mãos dos republicanos, o que é muito perigoso para a democracia dos EUA ou de outro país. Na prática, o sistema de controles não existirá, e os republicanos poderão fazer o que bem quiserem", analisou Donald.
"Com isso, qualquer contestação da opinião pública ou da mídia será ignorada pelo governo, já que Bush dirá que recebeu um real mandato popular na eleição. O maior problema é, de fato, o país ser totalmente controlado por um só partido, sobretudo um que tem-se mostrado intolerante, não permitindo divergências."
"Isso será péssimo para os EUA, visto que eles [os republicanos] tentarão consolidar as restrições às liberdades civis introduzidas após o 11 de Setembro. Eles querem renovar e estender o Patriot Act. Se eles dominarem tudo, será difícil pressioná-los a reintroduzir liberdades que foram suprimidas pelo Patriot Act. Este deveria ser reformado, não simplesmente estendido", sustentou Donald.


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