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ANÁLISE
Argentina precisa estimular a demanda externa com câmbio competitivo
RICARDO HAUSMANN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
A transição política e econômica da Argentina desde
a renúncia do presidente De la
Rúa foi muito mal administrada.
As consequências políticas desses
erros, para o país e para o mundo,
são ominosas.
Os peronistas, que têm a maioria em ambas as Casas do Congresso e governam 17 das 24 Províncias do país, estão se comportando menos como o partido que
recuperou a Argentina da hiperinflação nos anos 90 e mais como
o grupo que a levou ao abismo na
década de 70.
Eduardo Duhalde, o presidente
que acaba de ser empossado, agora tem até dezembro de 2003 para
pôr fim ao pesadelo cada vez mais
sério que a Argentina vem enfrentando. Jorge Renes Lenicov, ministro das Finanças, deve fazer
um importante anúncio de política hoje. O que ele deveria dizer?
Primeiro, deveria esclarecer a
natureza da crise. Contrariamente à opinião sustentada em Buenos Aires, a Argentina não sofre
de uma crise keynesiana que exige
estímulo à demanda doméstica.
Ela vinha operando com déficit
em conta corrente, o que significa
que gasta mais do que fatura, e financiava o diferencial com poupanças externas. À medida que
esses recursos escasseavam, os
gastos domésticos despencavam.
A situação foi agravada pela fuga
do capital doméstico, causada pelo colapso iminente do regime
cambial e pela fraqueza do sistema bancário.
Estimular a demanda doméstica não é a solução. Em lugar disso,
estimular a demanda externa por
meio de uma taxa de câmbio
competitiva e restabelecer a estabilidade financeira é essencial. A
Argentina não precisa de uma injeção de liquidez. Precisa agir rápido para restaurar a liquidez das
contas bancárias já existentes,
mas congeladas.
Lenicov deveria reconhecer que
os argentinos amavam seu velho
sistema cambial, e ajudá-los a superar sua dor. Ele deveria a seguir
persuadir os eleitores a aceitar políticas novas e duradouras.
O ministro deveria se recusar a
adivinhar a taxa de câmbio ideal
para a moeda nessa nova fase. A
imprensa argentina fala em taxa
fixa de câmbio de 1,3 peso por dólar, vinculada a uma cesta cambial
mais ampla. Antes que cálculos
demais sejam feitos nessa base, é
melhor lembrar que de 1998 para
cá o real brasileiro se depreciou
em 120% diante do dólar e até
mesmo a moeda chilena, bem administrada e recomendada como
investimento, teve perdas de 48%
em termos reais.
Sem acesso a financiamentos
internacionais e com uma economia muito mais fechada, a Argentina deveria esperar por uma desvalorização substancial. Faltam
ao país as reservas internacionais
para impedi-la, e de qualquer forma não se deveria tentar. Em lugar disso, a Argentina deveria
aproveitar a oportunidade para
criar empregos na agricultura, indústria e turismo, e adotar uma
estratégia agressiva de integração
de comércio internacional, simplificando sua estrutura tarifária e
agindo para aperfeiçoar o Mercosul e instaurar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
A taxa de câmbio precisa ser ancorada por uma política monetária confiável. Lenicov deveria
mostrar que o banco central será
capaz de controlar a base monetária e que deseja fazê-lo. Isso exigiria política fiscal prudente e um
sistema bancário bem capitalizado, bem como um BC respeitável.
Ele deveria anunciar um Orçamento sólido para 2002, que inclua emissão limitada de passivo
doméstico real, não deveria mais
imprimir dinheiro sem valor.
O ministro precisa explicar
também de que maneira o sistema bancário vai sobreviver à mudança no regime cambial. Dada a
dolarização, o sistema não é capaz
de sobreviver à desvalorização
necessária, já que os devedores
não serão capazes de pagar por
seus empréstimos denominados
em dólares. Duhalde, imprudentemente, prometeu que restituiria
os depósitos dos correntistas na
moeda em que foram feitos. Isso
exigiria uma recapitalização dos
bancos pelo governo. Converter
todos os ativos e passivos a pesos
e protegê-los contra a inflação doméstica por meio de correção
monetária parece ser uma solução mais prática e justa.
A independência do BC precisa
ser restabelecida, após a derrubada ilegal e vergonhosa de seu presidente em abril último; e seu
mandato de combate à inflação
deveria ser transformado em lei.
A Argentina não deve pedir o
perdão de suas dívidas para com o
Fundo Monetário Internacional,
Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Não deve atrasar seus pagamentos a essas instituições, tampouco.
Deveria conquistar seu apoio financeiro continuado à medida
que negocia uma reestruturação
da dívida privada, com perdão de
uma parcela ponderável.
O futuro da Argentina está em
encontrar oportunidades para
seus cidadãos no mundo. Fechar
essa economia já espantosamente
fechada é uma receita de desastre.
Um boom nas atividades de exportação, um sistema bancário
sólido e a volta aos mercados financeiros internacionais depois
da reestruturação da dívida são o
caminho do futuro.
O autor é professor de Desenvolvimento
Econômico na Universidade Harvard
Tradução de Paulo Migliacci
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