|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Qual é o jogo de Bush?
PAUL KRUGMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"
Qual é o jogo que o governo
Bush pensa estar jogando na Coréia?
Não se trata de uma pergunta
retórica. Na Guerra Fria, os EUA
empregavam especialistas em
teoria dos jogos para analisar as
estratégias de dissuasão nuclear.
Homens com doutorados em
Economia, como Daniel Ellsberg,
escreviam estudos sérios com títulos como "A Teoria e a Prática
da Chantagem". A qualidade intelectual dessas análises era impressionante, mas a principal conclusão que tinham a oferecer era simples: a dissuasão requer um compromisso confiável de que o mau
comportamento será punido e o
bom comportamento será recompensado.
Eu sei, parece bastante óbvio.
Mas a política do governo Bush
com relação à Coréia tem violado
sistematicamente esse princípio
simples.
Sejamos claros: os governantes
da Coréia do Norte são muito
cruéis. Mas, a menos que disponhamos de um plano para derrubar esse governos, devemos nos
perguntar que incentivos estamos
dando a eles.
Assim, coloque-se no lugar de
Kim Jong-il. O governo Bush denunciou seu regime. Rompeu negociações com seu país assim que
assumiu. No ano passado, embora você não tenha sido mais malvado que no ano anterior, George
W. Bush o declarou parte do "eixo
do mal". Meses mais tarde, o presidente norte-americano o classificou como "pigmeu", dizendo:
"Desprezo Kim Jong-il, tenho
uma reação visceral a esse sujeito... Eles me dizem que talvez não
precisemos agir tão rápido, porque o ônus financeiro que a população do país vem sofrendo é tão
imenso que o sujeito terminará
derrubado. Bem, não acredito
nisso".
Além disso, há todos os motivos
do mundo para levar as vísceras
de Bush a sério. Sob sua doutrina
de prevenção, os EUA se reservam o direito der atacar países
passíveis de apoiar o terrorismo,
quer estes o tenham feito, quer
não. E quem decide se atacamos
ou não? Eis o que Bush tem a dizer: "Dizem que estamos a caminho de uma guerra contra o Iraque. Não sei por que dizem isso.
Sou eu a pessoa que decide sobre
isso". O Estado sou eu.
Assim, Bush acredita que você
seja um mau sujeito, o que o torna
um alvo potencial, não importa
de que maneira você se comporte.
Por outro lado, Bush ainda não
decidiu atacá-lo, ainda que você
esteja muito mais perto de desenvolver armas de destruição em
massa do que o Iraque. (É provável que você já tenha duas delas.)
E você se pergunta por que Saddam Hussein está no primeiro lugar da fila. Ele não apóia o terrorismo mais do que você. O governo Bush não apresentou qualquer
indício de conexão entre Saddam
e a Al Qaeda. Talvez o governo esteja de olho nas reservas petrolíferas iraquianas, mas o mais notável é que, dos três membros do
"eixo do mal", o Iraque seja o
mais fraco em termos militares.
Assim, você poderia se sentir
tentado a concluir que o governo
Bush adora denunciar os malvados, mas pode ser impedido de
atacar aqueles a quem denuncia
caso acredite que eles possam oferecer resistência verdadeira.
Sua experiência parece servir
como confirmação dessa conclusão. No terceiro trimestre de 2002,
você foi pego em flagrante enriquecendo urânio, o que viola o espírito do acordo que firmou em
1994 com o governo Clinton.
Mas o governo Bush, embora
pronto a invadir o Iraque ao menor sinal de um programa nuclear, tenta atenuar a importância
dessa informação, e sua resposta
-o corte das remessas de petróleo- não passa de uma admoestação branda. Na verdade, nem
agora o governo Bush fez o que
seu predecessor ordenou em
1994: o envio de tropas para a região e preparações para um conflito militar.
Assim, eis o que Pyongyang
provavelmente vê nessa situação.
O governo Bush o acusa de ser
parte do "eixo do mal". Não oferece assistência, mesmo que você
cancele seu programa nuclear,
porque isso seria recompensar o
mal. Nem sequer promete que
não o atacará, porque acredita
que sua missão seja destruir os regimes malignos, quer representem ameaça para os Estados Unidos, quer não. Mas, apesar de toda sua belicosidade, o governo
Bush parece disposto a confrontar apenas os regimes militarmente fracos.
Os incentivos para a Coréia do
Norte são claros. Não há motivo
para fingir de bonzinho se isso
não trouxer nem assistência nem
segurança. O país não precisa se
preocupar com esforços norte-americanos para isolá-lo economicamente, já que os norte-coreanos não fazem comércio internacional, a não ser com a China, e
a China não está cooperando. A
melhor estratégia de preservação
para Kim é ser perigoso. Assim,
enquanto os Estados Unidos se
ocupam do Iraque, os norte-coreanos deveriam preparar algum
plutônio e produzir bombas.
Uma vez mais: que jogo o governo Bush acredita estar jogando?
Texto Anterior: Coréia do Norte rejeita pressão americana Próximo Texto: América Latina: Choque mata 2; Chávez ameaça endurecer Índice
|