São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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DESGASTE

Picuinhas tomam conta do processo que deveria fortalecer o partido para a disputa presidencial

Unidade democrata está na estaca zero

ADAM NAGOURNEY
DO "NEW YORK TIMES"

Quando os dirigentes do Partido Democrata montaram o calendário de primárias para 2004, eles produziram uma rápida sequência de consultas que em teoria permitiria a breve obtenção de um candidato presidencial, capaz de escapar ao desgaste das prolongadas disputas que aleijaram tantos outros candidatos ao longo da história.
Mas a menos de três semanas da primeira votação no processo de indicação, a 19 de janeiro, já se pode dizer que o partido atingiu seu objetivo somente pela metade. É possível que os democratas escolham com rapidez um candidato, seus dirigentes afirmam. Mas será alguém que deverá ainda enfrentar disputas internas e que terá dificuldades para unificar um partido que está hoje bastante dividido.
Num exemplo de consequências não previstas, um processo destinado a gerar unidade, um candidato forte e uma plataforma arrebatadora para enfrentar o presidente Bush até agora produziu uma campanha que democratas descrevem como espantosamente desagradável e marcada por picuinhas.

Campanha de ataques
Por mais que campanhas sejam marcadas pela grosseria, isso raramente acontece nos momentos iniciais. E isso jamais ocorreu no "caucus" (votação direta em reunião partidária) de Iowa, um Estado onde, segundo os democratas, os eleitores punem ou costumavam punir os candidatos que só criticam.
Howard Dean, que lidera as pesquisas em Iowa e New Hampshire, solicitou que o presidente do Partido Democrata interviesse contra os ataques dirigidos a ele, porque isso poderia apenas servir de munição para a Casa Branca, caso ele se torne o candidato à sucessão de Bush.
O pedido despertou reações irônicas de alguns de seus concorrentes, entre eles o sarcástico senador Joseph Lieberman, para quem Dean seria derretido pelos ataques da Casa Branca.
Ao mesmo tempo, naquilo que os democratas descrevem como uma questão preocupante, nenhum dos candidatos conseguiu até agora, nesse ambiente político áspero, identificar-se com o tipo de tema eleitoral arrebatador ou grande proposta que foram centrais para as campanhas presidenciais vitoriosas dos últimos 20 anos -embora Dean tenha crescido graças a sua posição antiguerra.
Bill Clinton decolou quando, em 1992, levantou a bandeira de "oportunidade e responsabilidade", com a promessa de assistência médica para todos, enquanto George W. Bush ganhou pontos no "conservadorismo compadecido" que incluía tópicos como a reforma escolar.
"O desagradável desta campanha está na dificuldade de passar um recado que agrade a muitos", disse Bob Kerrey, ex-senador de Nebraska e que também disputou a indicação democrata em 1992.
Essa avaliação chega depois de um longo ano de briguinhas preliminares. Agora a batalha entre nove candidatos atinge um momento crítico, com o começo de um novo ano e com a sequência rápida de disputas que os democratas afirmam serem capazes de produzir um candidato do partido até meados de março.
Por muitos dos critérios, Dean, que há um ano era zombado por seus concorrentes como alguém que lançou o próprio nome apenas por vaidade, atinge um momento de mais alta visibilidade como o principal concorrente do páreo. Ele tem uma vantagem significativa sobre seus adversários nas pesquisas de New Hampshire, que faz sua primária uma semana depois do "caucus" de Iowa.
Caso Dean seja bem sucedido em Iowa e em New Hampshire, será difícil contê-lo. Dito isso, Dean, ao tornar-se foco de intensos escrutínios, fez uma série de declarações que reforçaram as preocupações de muitos democratas quanto às suas capacidades de enfrentar Bush -incluindo uma sugestão rapidamente descartada de que iria evitar dar qualquer julgamento sobre a punição merecida por Osama bin Laden até o pronunciamento da Justiça (um dia depois disse que o líder da Al Qaeda merecia a pena de morte).
Em Iowa e New Hampshire, os democratas Dick Gephardt e John Kerry esperam que as dúvidas quanto à força de Dean diante de Bush os beneficiem, ao intranquilizar os democratas que declararam ter como prioridade máxima evitar a reeleição do presidente.
Ainda que Dean saia fortalecido dos dois Estados, três outros democratas parecem ter potencial para crescer à medida que as primárias se deslocam para o Sul dos Estados Unidos: o general reformado Wesley Clark, Lieberman e o senador John Edwards, da Carolina do Norte.
Terry McAuliffe, presidente dos democratas, descartou as preocupações quanto ao tom da campanha. Em entrevista, fez a previsão de que o partido se uniria em redor do vencedor e que o candidato terminaria abastecido com o conjunto de idéias grandiosas necessárias para enfrentar Bush.
"Ouçam, nos unificaremos", ele disse. "Todos os candidatos se unirão. A rejeição profunda a George W. Bush vai juntar todos eles."
A seu ver o nome que unificará o partido será escolhido em no máximo três meses.
Muitos democratas, no entanto, acreditam que a existência de tantos candidatos de um lado dificulta a escolha, e de outro abre cicatrizes que tornam problemática a futura unidade do partido.
"Dean continua essencialmente a fazer uma campanha com base em ataques, e os demais, exceto Edwards, estão seguindo o seu exemplo", disse Bruce Reed, presidente do Conselho de Liderança Democrata.



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