São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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Aposentadoria é sonho para agricultores da China

Previdência não atende o campo; migração de jovens obriga idosos a seguir trabalhando

Problema será discutido na reunião do Congresso chinês, mas reforma de sistema de pensões urbano pode se tornar prioridade

Jeff Xu/Reuters
Idosa em Nanjing; envelhecimento da população preocupa


LINDSAY BECK
DA REUTERS, EM SHENYANG, CHINA

Xie Huilan, 66 anos, trabalhou por toda a sua vida adulta e nunca cogitou se aposentar. Na verdade, ela e seu marido de 73 anos estão trabalhando mais duro do que nunca, cultivando seu pedaço de terra em Shaanxi, província do noroeste da China, e cuidando de seus netos, cujos pais migraram para cidades a fim de trabalhar. "É claro que estou cansada, mas não há nada a fazer", disse Xie em sua pequena casa no povoado de Shenyang, numa parte pobre e seca de Shaanxi.
A China já abriga mais da metade dos idosos da Ásia, e a previsão é que até 2050 eles somem mais de 400 milhões de pessoas. Analistas dizem que muito antes disso o ônus representado pelos idosos vai superar de longe os benefícios da redução do número de filhos imposta pelas normas de planejamento familiar chinesas.
"A situação demográfica vem se deteriorando rapidamente, e acho que não há mais nada que possa impedir esse processo", disse Stuart Leckie, especialista em pensões e aposentadorias da consultoria Stirling Finance, de Hong Kong.

Reforma
O governo começa a falar em encarar o ônus que espreita sua população idosa. A ampliação das aposentadorias e a reforma dos sistemas de seguridade social subfinanciados e mal administrados estarão entre os temas da sessão anual do Parlamento chinês, que começa amanhã.
"A sociedade ainda não deu atenção suficiente à gravidade do problema", disse o vice-premiê Hui Liangyu, falando do envelhecimento da população.
De acordo com o "Diário do Povo", o órgão oficial do Partido Comunista, ele exortou o país a "estudar ativamente a criação de um sistema de aposentadorias rurais e de um sistema de Previdência de subsistência rural". Esse sistema foi desmantelado junto com as antigas comunas maoístas, que deram lugar à exploração familiar da terra na primeira etapa das reformas de mercado chinesas, no final dos anos 1970.
A China vem enfrentando conseqüências políticas de um escândalo em Xangai, onde altos funcionários são acusados de desviar dinheiro do fundo de pensão dos trabalhadores da cidade, de 10 bilhões de yuans (US$ 1,29 bilhão), para empréstimos e investimentos ilícitos.
Enquanto isso, milhões de camponeses continuam a fazer trabalhos extenuantes mesmo na terceira idade, e a dificuldade que enfrentam é agravada pela ausência de homens em idade produtiva na zona rural -a maioria migrou para as cidades em busca de trabalho.
Xian Fanglan, 60 anos, nem sequer tinha ouvido falar do conceito de seguridade social. Seu marido, filho e nora são trabalhadores migrantes, deixando a ela o trabalho de cultivar os campos de macieiras, trigo e milho que são comuns na região de Shaanxi.
"Precisamos ganhar a vida. Não existe outra maneira", disse ela, acocorada em seu quintal, descascando espigas de milho. No povoado de Shenyang, é comum ver homens velhos empurrando carrinhos de mão repletos de maçãs e carregando sacos sobre caminhões que os levam à fábrica local de suco.

Pensões urbanas
Mas analistas dizem que, apesar das declarações sobre fazer mais no sentido de renovar os sistemas de bem-estar social, é pouco provável que os idosos da zona rural se tornem uma prioridade do governo.
Em vez disso, é mais provável que a China primeiro tome medidas para reformar seu sistema de pensões urbanas. Diz Leckie: "Isso se deve à visão de que os trabalhadores urbanos precisam de aposentadoria, enquanto os agricultores pelo menos contam com a terra".
O analista prevê que dentro de 30 anos os camponeses provavelmente ainda contarão com pouco, exceto, talvez, uma pensão de subsistência capaz de garantir a alimentação; mas não o suficiente para que eles possam deixar de trabalhar.
A China vem fazendo experimentos com esquemas de poupança de camponeses, mas a participação nesses esquemas vem diminuindo. "As pessoas que mais precisam são justamente aquelas que não conseguem poupar 20 ou 30 yuans por mês", disse Leckie.
Tradicionalmente, na China, os idosos eram amparados por seus filhos. Mas, com milhões de camponeses em idade produtiva migrando para as cidades, está acontecendo o inverso: cada vez mais, são os velhos que sustentam seus netos.


TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN


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