São Paulo, sábado, 04 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BÁLCÃS

Em Haia, ex-ditador iugoslavo tenta vincular Rugova ao interesse das potências ocidentais na região

Milosevic desafia líder kosovar em tribunal

PAUL GALLAGHER
DA REUTERS, EM HAIA

Slobodan Milosevic e o presidente de Kosovo, Ibrahim Rugova, travaram um tiroteio verbal no ambiente tenso do tribunal de Haia, ontem, num confronto amargo sobre o papel exercido pelo antigo ditador iugoslavo na repressão da Província.
Rugova, que estava depondo no julgamento de Milosevic por crimes de guerra diante do tribunal da ONU, acusou seu antigo inimigo de desencadear uma campanha brutal de limpeza étnica em Kosovo, em 1999, numa tentativa de eliminar seu movimento pró-independência.
Acadêmico de fala mansa que, nos anos 1990, liderou uma campanha de resistência passiva da maioria de origem albanesa em Kosovo contra o governo de Milosevic, Rugova culpou Milosevic pelos alegados massacres sérvios de kosovares de origem albanesa.
O ex-ditador iugoslavo, que se defende de acusações de genocídio e crimes contra a humanidade na Croácia, na Bósnia e em Kosovo, respondeu com uma saraivada de perguntas.
"Senhor Rugova, acha que o senhor, pessoalmente, e os kosovares albaneses foram usados para implementar a vontade das grandes potências? Sim ou não?", indagou Milosevic, que acusa o Ocidente de tentar destruir a Iugoslávia.
"Não fomos usados. A comunidade internacional saiu em nossa defesa contra os massacres perpetrados por Belgrado e pelo senhor. Essa é a verdade", respondeu Rugova.
"Bem, a história oferece muitos exemplos que dizem o contrário", retrucou Milosevic.
Rugova disse ao tribunal: "Ficou claro que Belgrado decidiu destruir Kosovo por meio da violência e da guerra. Foi uma limpeza da população efetuada com calma. Todos nós sabemos o que aconteceu em 1998 e 1999". Enquanto ele falava, Milosevic se espreguiçava no banco dos réus, rabiscava anotações e bocejava.

Pontos irrelevantes
Acusado de responsabilidade pela morte de mais de 900 kosovares albaneses e a expulsão de cerca de 800 mil durante a violenta onda de repressão sérvia que desencadeou os bombardeios da Otan sobre a Iugoslávia, Milosevic vem conduzindo sua própria defesa desde que o julgamento começou, em fevereiro.
Muitas de suas perguntas, repletas de referências à CIA, às quadrilhas de drogas albanesas e à ocupação dos Bálcãs pelos nazistas durante a Segunda Guerra, foram consideradas irrelevantes juiz Richard May, que preside o julgamento.
Para condenar Milosevic pelos acontecimentos de Kosovo, os promotores terão de provar não apenas que ocorreram atrocidades contra os kosovares albaneses, mas também que Milosevic tinha conhecimento ou deveria ter conhecimento delas.
Qualquer evidência que Rugova puder fornecer sobre informações que transmitiu a Milosevic ou sobre o envolvimento do ex-ditador na cadeia de comando das forças de segurança pode ajudar a Promotoria.
Na segunda-feira, Milosevic vai retomar seu interrogatório de Rugova, dentro do contexto do maior julgamento de crimes de guerra na Europa desde a Segunda Guerra.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Choque na França: França proíbe tapar o nariz na hora de votar
Próximo Texto: Reino Unido: Extrema direita elege 3 em pleito municipal
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.