São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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MISSÃO NO CARIBE

Metade do país não tem ocupação; oficial diz que há risco de decepção da população com a força de paz

Haitianos pedem emprego para soldados brasileiros

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI

Um caminhão com militares brasileiros da força de paz no Haiti fez ontem um rápido contato com a população. Foram bem recebidos, e a vitória da seleção por 3 a 1 sobre a Argentina, anteontem, foi comemorada, mas os haitianos aproveitaram para pedir emprego.
Não existem estatísticas confiáveis, e há muito trabalho informal, mas possivelmente metade da população ativa do país não tem ocupação. Era o caso do também pequeno grupo de desempregados que tentou falar com os brasileiros. Eram cerca de meia dúzia em uma praça perto do aeroporto.
Jean-Jean Robert logo perguntou se haveria trabalho para haitianos na Minustah, sigla em francês da Missão da ONU de Estabilização no Haiti. O coronel Luiz Felipe Carbonell, oficial de comunicação social da Brigada Haiti, respondeu que certamente haitianos seriam contratados, mas que a principal função da tropa brasileira era prover segurança.
Robert é motorista, trabalhava em uma indústria que fechou. Sua mulher hoje é quem ganha dinheiro, vendendo frituras na rua. O casal tem quatro filhos. Como a maioria dos haitianos, ele torceu para o Brasil. "Adoro o Ronaldo."
Outro que gostaria de trabalhar como chofer é seu amigo Moise Murat. "Estou sem trabalho, só como uma vez por dia", diz ele.
Comer, para os haitianos mais pobres, significa basicamente arroz com feijão, às vezes só arroz, e, de vez em quando, complementos. No momento vive-se a época das mangas, e os vendedores nas calçadas estão repletos delas.
"Sua presença aqui é necessária", disse Jean-Jacques Foresmy, outro que gostaria de ter emprego, reconhecendo que a missão de segurança é fundamental.
Existe um grande risco de decepção dos haitianos com a substituição da força multilateral interina, liderada pelos EUA, pela força de "capacetes azuis" da ONU, comandada pelo Brasil.
"A parte humanitária e de desenvolvimento econômico está mais afeita a outros departamentos da Minustah", disse o coronel Carbonell. Ele concorda que há o risco de decepção, e que é importante "transmitir a esperança de que é possível melhorar". "Mas não podemos fazer promessas."
Os primeiros haitianos que deverão ser contratados pela força de paz são os mais necessários a princípio: tradutores. O francês e inglês macarrônico de muitos oficiais e soldados pode servir para as comunicações mais simples, mas é claramente insuficiente para a obtenção de inteligência sobre eventuais grupos armados.
Cada brasileiro recebeu dois livrinhos. Um deles aborda como se comportar com a população local; o outro traz frases para o dia-a-dia em várias línguas, notadamente o créole, a língua misto de francês com dialetos africanos.
"Palé dousman" é "fale devagar" em créole (do francês "parlez doucement"). "Mete za'am ou até" é "abaixe suas armas".
Mas, assim como acontece nas favelas brasileiras, recolher as armas dos bandidos é algo dificílimo. Apenas 200 foram encontradas pela força liderada pelos EUA, das mais de 20 mil ilegais no Haiti.
Não é nada difícil esconder armas no labirinto das favelas locais -as "bidonvilles". E é preciso um bom sistema de informações para saber onde achá-las, algo que ainda parece estar fora do alcance da pequena polícia local. A Minustah incluirá também um contingente de 1.622 policiais estrangeiros para auxiliar a polícia do Haiti.
A força da ONU ainda vai demorar para entrar em operação. O grosso da tropa brasileira só chega depois do dia 20. Está prevista para o dia 18 a chegada dos navios da Marinha trazendo a maior parte do equipamento. Só depois de recebido esse equipamento é que os cerca de 200 soldados e fuzileiros navais hoje no Haiti terão condições de preparar devidamente o acantonamento para os outros mil militares que chegarão até o final do mês.


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