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MISSÃO NO CARIBE
Metade do país não tem ocupação; oficial diz que há risco de decepção da população com a força de paz
Haitianos pedem emprego para soldados brasileiros
RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI
Um caminhão com militares
brasileiros da força de paz no Haiti fez ontem um rápido contato
com a população. Foram bem recebidos, e a vitória da seleção por
3 a 1 sobre a Argentina, anteontem, foi comemorada, mas os haitianos aproveitaram para pedir
emprego.
Não existem estatísticas confiáveis, e há muito trabalho informal, mas possivelmente metade
da população ativa do país não
tem ocupação. Era o caso do também pequeno grupo de desempregados que tentou falar com os
brasileiros. Eram cerca de meia
dúzia em uma praça perto do aeroporto.
Jean-Jean Robert logo perguntou se haveria trabalho para haitianos na Minustah, sigla em francês da Missão da ONU de Estabilização no Haiti. O coronel Luiz Felipe Carbonell, oficial de comunicação social da Brigada Haiti, respondeu que certamente haitianos
seriam contratados, mas que a
principal função da tropa brasileira era prover segurança.
Robert é motorista, trabalhava
em uma indústria que fechou. Sua
mulher hoje é quem ganha dinheiro, vendendo frituras na rua.
O casal tem quatro filhos. Como a
maioria dos haitianos, ele torceu
para o Brasil. "Adoro o Ronaldo."
Outro que gostaria de trabalhar
como chofer é seu amigo Moise
Murat. "Estou sem trabalho, só
como uma vez por dia", diz ele.
Comer, para os haitianos mais
pobres, significa basicamente arroz com feijão, às vezes só arroz, e,
de vez em quando, complementos. No momento vive-se a época
das mangas, e os vendedores nas
calçadas estão repletos delas.
"Sua presença aqui é necessária", disse Jean-Jacques Foresmy,
outro que gostaria de ter emprego, reconhecendo que a missão de
segurança é fundamental.
Existe um grande risco de decepção dos haitianos com a substituição da força multilateral interina, liderada pelos EUA, pela força de "capacetes azuis" da ONU,
comandada pelo Brasil.
"A parte humanitária e de desenvolvimento econômico está
mais afeita a outros departamentos da Minustah", disse o coronel
Carbonell. Ele concorda que há o
risco de decepção, e que é importante "transmitir a esperança de
que é possível melhorar". "Mas
não podemos fazer promessas."
Os primeiros haitianos que deverão ser contratados pela força
de paz são os mais necessários a
princípio: tradutores. O francês e
inglês macarrônico de muitos oficiais e soldados pode servir para
as comunicações mais simples,
mas é claramente insuficiente para a obtenção de inteligência sobre eventuais grupos armados.
Cada brasileiro recebeu dois livrinhos. Um deles aborda como
se comportar com a população local; o outro traz frases para o dia-a-dia em várias línguas, notadamente o créole, a língua misto de
francês com dialetos africanos.
"Palé dousman" é "fale devagar" em créole (do francês "parlez
doucement"). "Mete za'am ou
até" é "abaixe suas armas".
Mas, assim como acontece nas
favelas brasileiras, recolher as armas dos bandidos é algo dificílimo. Apenas 200 foram encontradas pela força liderada pelos EUA,
das mais de 20 mil ilegais no Haiti.
Não é nada difícil esconder armas no labirinto das favelas locais
-as "bidonvilles". E é preciso um
bom sistema de informações para
saber onde achá-las, algo que ainda parece estar fora do alcance da
pequena polícia local. A Minustah
incluirá também um contingente
de 1.622 policiais estrangeiros para auxiliar a polícia do Haiti.
A força da ONU ainda vai demorar para entrar em operação.
O grosso da tropa brasileira só
chega depois do dia 20. Está prevista para o dia 18 a chegada dos
navios da Marinha trazendo a
maior parte do equipamento. Só
depois de recebido esse equipamento é que os cerca de 200 soldados e fuzileiros navais hoje no
Haiti terão condições de preparar
devidamente o acantonamento
para os outros mil militares que
chegarão até o final do mês.
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