São Paulo, sábado, 04 de agosto de 2001

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EPIDEMIA

Falta de controle nas transfusões de sangue causou infecção em pequenas aldeias, onde até 80% dos adultos têm a doença

China tenta conter explosão de Aids no centro do país

France Presse
Crianças do centro da China, órfãs por causa da Aids, falam a jornalista estrangeiros em Pequim


DA REDAÇÃO

A China lançou um novo programa para conter o alastramento do vírus HIV por meio de transfusões de sangue em meio a alertas de que a epidemia de Aids no país está atingindo índices alarmantes. A agência de notícias estatal "Xinhua" anunciou ontem que o governo investirá US$ 12 milhões por ano em ações para garantir a segurança dos bancos de sangue.
De acordo com dados oficiais, a China, com 1,2 bilhão de habitantes, tinha, até o final de março, apenas 23.903 casos registrados de HIV positivo. A maioria, segundo o governo, envolvendo prostitutas e usuários de drogas.
Especialistas do Ministério da Saúde afirmam, no entanto, que o país pode ter mais de 600 mil infectados, enquanto a ONU adverte que a China terá 10 milhões ou mais de soropositivos em 2010 se não tomar medidas urgentes para combater a doença.
Uma das regiões mais afetadas pelo HIV é a Província de Henan, no centro do país, onde vilarejos inteiros contraíram o vírus da Aids em transfusões de sangue.
Em Donghu, um povoado com 4.500 habitantes, os moradores estimam que 80% dos adultos sejam soropositivos e que 60% já tenham desenvolvido os sintomas da Aids. Eles acham que o governo é, em grande parte, responsável pela tragédia.
Os agricultores da Província, uma das mais pobres do país, contraíram o HIV nos anos 90 depois de venderem sangue em centros de coleta -alguns administrados por autoridades locais- por US$ 5 a doação (cerca de meio litro).
O sangue de várias pessoas era depositado num único recipiente para a retirada do plasma, em falta nos hospitais do país. O sangue que sobrava era, depois, injetado de volta nos doadores para evitar que ficassem anêmicos e também para tranquilizá-los, porque, pela tradição chinesa, a perda de sangue representa perda de energia.
"Eles tiravam o sangue e depois o colocavam de volta. Mas as pessoas não recebiam o próprio sangue, elas recebiam transfusões de sangues múltiplos", contou um especialista em Aids da ONU.
Para os pequenos agricultores de Henan, o dinheiro da venda de sangue era uma grande ajuda: colocava telhados em pequenas casas de tijolo e pagava escola para as crianças.
As filas nos centros de coleta da Província eram enormes. Alguns médicos chineses estimam que centenas de milhares de pessoas tenham contraído o HIV na venda de sangue só em Henan.
A falta de uma campanha de esclarecimento sobre a doença fez com que o vírus adquirido nas transfusões se espalhasse, depois, por outras vias.
"Não sei quantos vilarejos enfrentam problemas graves, mas sei que é muito mais do que apenas um punhado", disse um médico da Província. "Sou médico há muitas décadas, mas nunca havia chorado até ver esses vilarejos. Mesmo em vilarejos onde não havia venda de sangue, você encontra agora casos (de Aids) por causa de migração, casamento e transmissão sexual", comentou.
Autoridades locais e nacionais tentaram abafar o escândalo. Ativistas tiveram seus panfletos confiscados, repórteres chineses foram orientados para não tocar no assunto e jornalistas estrangeiros em visita à área foram presos por autoridades de Henan, segundo relatos de repórteres e testemunhas.
A China também impediu uma especialista em Aids de Henan, Gao Yaojie, de viajar aos EUA, em maio, para receber um prêmio por sua campanha de esclarecimento sobre a Aids e pela ajuda prestada aos soropostivos.
Ao anunciar ontem os novos planos do governo para garantir a segurança das transfusões de sangue, a agência "Xinhua" não mencionou a epidemia de Aids em Henan, mas informações divulgadas pela mídia estatal de que 65% da população de alguns vilarejos da Província está contaminada pelo HIV causou grande impacto no início do ano.
A China havia elaborado um plano, em 1998, para manter os casos de HIV abaixo de 1,5 milhão em 2010. Mas o vice-diretor do Departamento de Controle de Doenças do Ministério da Saúde, Chen Xianyi, disse à "Xinhua" que o plano não foi implementado de forma eficaz em alguns lugares porque alguns governos locais ainda não estão cientes da seriedade da epidemia.
A intenção do governo chinês é reduzir o índice anual de crescimento de infecções pelo HIV e por outras doenças sexualmente transmissíveis dos 30% registrados nos últimos anos para menos de 10% até 2005.
As autoridades também pretendem reduzir o índice de infecção por meio de transfusões de sangue para 1 caso em cada 100 mil transfusões até 2005. Segundo a agência "Xinhua", mais de 85% do sangue para uso clínico será fornecido por bancos de sangue sem fins lucrativos, e o restante, por hospitais autorizados.


Com agências internacionais


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