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TERROR NA RÚSSIA
O necrotério era pequeno para acolher os cadáveres de tantas crianças; 14 delas foram enfileiradas do lado de fora, no chão
Crianças matavam sua sede com urina
Reuters
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Depois de passar 53 horas nas mãos de um grupo de terroristas, crianças que estudavam na Escola Número 1 de Beslan (Ossétia do Norte) são retiradas do prédio por militares, parentes e voluntários |
DA REDAÇÃO
As crianças não puderam se alimentar ou beber água durante as
53 horas em que permaneceram
como reféns dos terroristas tchetchenos. Para matar a sede, começaram a beber a própria urina.
Diana, uma das sobreviventes,
contou ao canal russo de televisão
NTV que ela e seus colegas da cidadezinha de Beslan urinavam
dentro de garrafas e depois, para
beber, usavam as roupas como filtro atado ao gargalo.
Um outro garoto disse que, depois das primeiras explosões, ele
conseguiu quebrar uma janela e
correr em direção às pessoas que
desde a manhã de quarta-feira esperavam do lado de fora.
"Eu estava tão zonzo que nem
reconheci meus pais", disse ele.
A multidão de pais aflitos que
presenciaram a carnificina de ontem tinha uma única dúvida
-não sabia ao certo quem havia
disparado primeiro- e também
uma única e mórbida impressão:
era insuportável o barulho de tiros, o cheiro de pólvora e de cadáveres de crianças.
"BARATAS TONTAS"
Dois garotos, também ouvidos
pela NTV, contaram que um grupo de 200 a 300 reféns se puseram
a correr, tão logo as primeiras explosões foram ouvidas.
"Estávamos no meio deles. Corríamos de um lado para o outro,
como baratas tontas. Até que homens armados, no telhado da escola, começaram a atirar."
Muitos dos reféns morreram
naquele momento. Outros conseguiram escapar. A via de fuga
eram as janelas. Se eram feitas de
vidro, era difícil quebrá-las.
Mas as coisas ficavam mais fáceis quando as janelas eram de
material sintético. Mesmo assim,
as crianças se machucavam, deixavam o prédio ensangüentadas.
AS CRIANÇAS MORTAS
Os 15 pequenos cadáveres foram dispostos, ordenadamente
enfileirados, sobre o gramado seco. Alguns deles tinham ainda os
olhos abertos e a expressão de terror no rosto.
Estavam praticamente nus, apenas com as roupas de baixo. Traziam seus nomes em cartões cor-de-rosa amarrados em seus pés.
Deveriam estar dentro do Instituto Médico Legal de Beslan. Mas é
uma cidade pequena. Dentro já
havia 40 cadáveres.
Alguns dos corpos do lado de
dentro eram de mortos da quarta-feira. O calor do finzinho do verão
na Ossétia do Norte ampliava o
cheiro de putrefação.
A avó do garotinho se aproximou de um dos cadáveres colocados sobre a grama. Levantou o
lençol. Reconheceu o rosto do neto. Deu um berro: "Vladislav!".
Pedaços de carne descolavam do
rosto. O menino estava quase irreconhecível. A avó chorava aos
berros. À ela se juntaram outras
mulheres idosas. Vladislav.
O ASSALTO FINAL
"As coisas agora estão mais calmas e, pela primeira vez em quatro horas, não sou mais obrigado
a vestir meu colete à prova de balas", disse Jonathan Charles, um
dos repórteres da BBC que cobriram a carnificina de Beslan.
Já eram 11h da manhã. Os tiros
eram ouvidos agora ao longe, trocados entre militares e terroristas
perseguidos pela cidade.
Mas, quando tudo começou,
por volta das 6h, o fogo cruzado
compunha cenas infernais.
Foram de início duas enormes
explosões, antes mesmo daquelas
que fizeram desabar o teto do ginásio de esportes da escola.
A polícia e o Exército reagiram
no ato. Helicópteros Mig com
metralhadoras atiravam em terroristas ou, por engano, em pessoas em fuga, simplesmente assustadas. Durante quase cinco
horas, o barulho predominante
era o de explosões de granadas,
rajadas de metralhadora e gritos
de moribundos.
AS EQUIPES DE TELEVISÃO
Sacha Lomakin é cinegrafista da
rede russa ITN. Minutos depois
que os terroristas passaram a matar seus jovens reféns, ele conseguiu entrar no ginásio da escola.
Os soldados o expulsaram. Mas,
pelos dois minutos de imagens
em sua câmera, foi possível contar
em torno de cem cadáveres.
Foi a primeira estimativa mais
ou menos precisa, que as demais
equipes de televisão imediatamente levaram ao ar.
A CNN estava com um repórter
no local, Ryan Chilcote. Ele presenciou dois soldados russos que
arrastavam pelo chão o corpo de
um terceiro soldado morto.
A BBC tinha três. Também estavam por lá a ITV, rede privada
britânica, e a Sky News, canal por
satélite em língua inglesa.
Jonathan Charles, da BBC, quase levou um tiro. Viu um soldado
russo ser morto a dez metros de
distância. As equipes concorriam
pelas melhores imagens. A ITV
aparentemente assumiu o maior
risco. Seu repórter, Julian Manyon, foi quem chegou mais perto
do fogo cruzado. Num de seus boletins, sua voz era entrecortada
pelo barulho ensurdecedor de
metralhadoras.
O INCONFORMISMO DE BELA
Bela tinha uma sobrinha de 14
anos. Ela se chamava Regina. Bela
a procurou por todos os cantos
depois da carnificina. E a encontrou. Regina estava morta, no necrotério de um hospital.
"Pobrezinha, pobrezinha!", dizia Bela, em meio a soluços. Contou que a mãe de Regina não sabia
que a filha havia morrido porque
estava num outro hospital, à procura de um outro filho, talvez ferido na confusão.
A poucos metros de distância
um homem chamado Goran trazia os olhos preventivamente
avermelhados. Havia chorado de
medo. Procurava por uma sobrinha de paradeiro desconhecido.
Uma multidão de cerca de 200
pessoas ameaçou atacar um homem que parecia um tchetcheno.
A polícia interveio, dando tiros
para o ar.
Antes de o dia amanhecer, um
porta-voz do presidente da Ossétia do Norte havia prometido que
as crianças mantidas como reféns
não seriam expostas a nenhum
risco possível. O próprio Vladimir
Putin, presidente da Rússia, dissera na véspera que a prioridade era
a integridade dos alunos.
Em seu primeiro boletim de notícias, a TV local disse que "todas
as crianças estão sãs e salvas, e se
espera que muitas delas sejam libertadas ainda hoje".
O RESGATE
Formou-se um mutirão nas
imediações da escola para retirar
as crianças e os adultos feridos. As
ambulâncias demoraram a chegar. As poucas que permaneciam
no local foram insuficientes para
transportar as primeiras vítimas.
Carros particulares formaram
um grupo confuso de voluntários.
Com feridos no banco de trás,
saíam em disparada, usando as
buzinas como sirenes. Um garotinho embarcou no colo da mãe.
Uma menina era levada sob um
lençol ensangüentado.
Um homem que aparentava 35
anos se aproximou dos militares.
Queria matar terroristas e salvar a
filha mantida como refém. Um
outro homem, ajoelhado, rezava
em silêncio. Tocou seu celular.
Seu filho fora localizado num dos
hospitais.
Com agências internacionais
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