São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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ÁSIA

Ligeira abertura econômica amplia produtividade, mas piora condições sociais

Pyongyang faz reformas e aumenta disparidades

ANNA FIFIELD
DO "FINANCIAL TIMES"

Na Pyongyang Wire Factory, os negócios jamais andaram tão bem. Antes limitada à fabricação de cabos elétricos e de comunicação para projetos públicos de infra-estrutura, a estatal norte-coreana agora lucra com a venda de sua linha básica de produtos e a exportação de uma nova linha de componentes audiovisuais.
"No passado, só podíamos produzir, mas agora podemos vender e negociar como as empresas internacionais", diz Kim Seok-nam, gerente da unidade. "Isso fez muita diferença para nós."
Ele usou parte do dinheiro que está faturando para adquirir máquinas alemãs de isolamento de cabos e para aumentar os salários de seus mil funcionários.
"A fábrica se tornou mais eficiente, e o zelo dos trabalhadores cresceu", diz Kim, que concluiu um curso de gestão de seis meses para se adaptar à nova maneira de fazer negócios.
Com o aumento da produtividade e dos lucros, a fábrica é uma das histórias de sucesso no conjunto de reformas econômicas introduzidas pelo regime na metade de 2002 e classificadas como "históricas".
No passado motivado apenas pelas necessidades coletivas, o mais forte dos regimes comunistas remanescentes no mundo está agora começando a se abrir a idéias de mercado, enquanto tenta reanimar sua economia decadente.
Ainda que o regime esteja simplesmente aperfeiçoando a ideologia formulada por Kim Il-sung, fundador do Estado norte-coreano e pai do "Querido Líder" Kim Jong-il, as reformas representam um rompimento significativo em relação às práticas e princípios do passado. O Instituto Coreano da Unificação Nacional, uma organização de pesquisa de Seul, diz que as mudanças foram tão amplas que se tornou impossível voltar atrás.
A extensão e impacto das mudanças são difíceis de avaliar, em parte devido à escassez de dados (a Coréia do Norte não publica estatísticas oficiais desde 1965) e em parte porque o acesso ao "Reino Ermitão" é altamente vigiado. Mas, em viagem de dez dias, o "Financial Times" visitou a fábrica de cabos elétricos, mercados, lojas estatais e barracas de rua, e conversou com cidadãos norte-coreanos comuns para retratar a economia do país.
A ampliação das disparidades entre os norte-coreanos e a inflação descontrolada, estimada em 130% ao ano, são os resultados mais óbvios das reformas.
"A pobreza não é mais dividida igualmente", diz Kathi Zellweger, da Caritas. Hwan, uma viúva de 40 e poucos anos, trabalha oito horas por dia no escritório de uma fábrica estatal perto da fronteira com a China, mas tem dificuldades para colocar comida na mesa e alimentar seus filhos adolescentes.
Ela passa seu tempo livre vendendo legumes no mercado e assim ganha o bastante para bancar dois terços das calorias mínimas de que seus filhos precisam. A ONU ajuda a cobrir o resto.
Com vastas reservas minerais, a metade norte da Coréia foi sempre o coração industrial da península, enquanto o sul, agrário, alimentava o país. Depois da divisão, ao final da guerra da Coréia (1950-1953), a economia do norte tinha desempenho superior à do sul. Mas a ideologia e a natureza mudaram o destino da Coréia do Norte.
O colapso da União Soviética viu o desaparecimento de um de seus dois principais benfeitores -o outro é a China- , e pôs fim ao bloco socialista que permitia a Pyongyang trocar carvão e magnésio por alimentos.
Em 1995, uma inundação destruiu as plantações e gerou uma fome que, segundo as agências de assistência, matou quase dois milhões de pessoas, cerca de 10% da população do país. A China, enquanto isso, perdeu quase todo o interesse em seus parceiros comunistas, à medida que descobria oportunidades econômicas mais amplas no mundo. Ao mesmo tempo, o beligerante isolacionismo da Coréia do Norte, que ostenta armas nucleares como peça de negociação para extrair benefícios econômicos do mundo externo, assustou os doadores estrangeiros e os potenciais investidores. Depois de décadas como metade mais próspera da península, a renda nacional da Coréia do Norte é agora de apenas US$ 21 bilhões ao ano, o equivalente a apenas 3% do Produto Nacional Bruto (PIB) do sul. O salário médio sul-coreano é 15 vezes mais alto do que o norte-coreano.
"Devido ao colapso dos países socialistas da Europa Oriental e depois que algumas nações adotaram sistemas mais capitalistas, reconhecemos que houve dificuldades na administração de nossa economia", diz Seo Jae-yong, professor na Universidade Nacional de Economia da Coréia do Norte. "Nós precisamos de moedas fortes para lidar com a nova situação e promover o desenvolvimento do país. Mas eu diria que houve certo progresso".
As agências assistenciais apontam para a nova prosperidade dos comerciantes e fazendeiros. "Há claramente uma classe mais abonada emergindo", diz Richard Ragan, diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU na Coréia do Norte. "Nas cinco cidades mais prósperas do país, surgiu uma espécie de classe média, com renda disponível."
Mas do mesmo modo que há ganhadores, há muitos perdedores. O problema é evidenciado pelo o número crescente de pobres urbanos em centros industriais como Hamhung e Kim Chaek, onde muitas fábricas fecharam.
Em 2004, as agências de assistência estimavam que pelo menos 30% da população em idade de trabalhar estava subempregada ou desempregada, e que, embora alguns continuassem a receber salários, o valor havia caído abaixo do nível de subsistência.
Cho Myong-chol, economista da Universidade Kim Il-Sung que desertou para o sul, argumenta que as reformas não obtiveram sucesso porque não conseguiram estimular o crescimento econômico. "Reformas econômicas bem-sucedidas melhorariam a qualidade de vida das pessoas, mas os norte-coreanos continuam sofrendo escassez de comida e mercadorias, e a distância entre ricos e pobres só aumenta."
Cho diz que as reformas não serão ampliadas com sucesso enquanto o regime der prioridade à sua sobrevivência. De qualquer forma, a reforma é um jogo notavelmente arriscado para o "Querido Líder".


Tradução de Paulo Migliacci

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