|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ÁSIA
Ligeira abertura econômica amplia produtividade, mas piora condições sociais
Pyongyang
faz reformas
e aumenta
disparidades
ANNA FIFIELD
DO "FINANCIAL TIMES"
Na Pyongyang Wire Factory, os
negócios jamais andaram tão
bem. Antes limitada à fabricação
de cabos elétricos e de comunicação para projetos públicos de infra-estrutura, a estatal norte-coreana agora lucra com a venda de
sua linha básica de produtos e a
exportação de uma nova linha de
componentes audiovisuais.
"No passado, só podíamos produzir, mas agora podemos vender
e negociar como as empresas internacionais", diz Kim Seok-nam,
gerente da unidade. "Isso fez muita diferença para nós."
Ele usou parte do dinheiro que
está faturando para adquirir máquinas alemãs de isolamento de
cabos e para aumentar os salários
de seus mil funcionários.
"A fábrica se tornou mais eficiente, e o zelo dos trabalhadores
cresceu", diz Kim, que concluiu
um curso de gestão de seis meses
para se adaptar à nova maneira de
fazer negócios.
Com o aumento da produtividade e dos lucros, a fábrica é uma
das histórias de sucesso no conjunto de reformas econômicas introduzidas pelo regime na metade
de 2002 e classificadas como "históricas".
No passado motivado apenas
pelas necessidades coletivas, o
mais forte dos regimes comunistas
remanescentes no
mundo está agora
começando a se
abrir a idéias de
mercado, enquanto tenta reanimar sua economia decadente.
Ainda que o regime esteja simplesmente aperfeiçoando a ideologia formulada
por Kim Il-sung,
fundador do Estado norte-coreano e pai do "Querido Líder" Kim
Jong-il, as reformas representam
um rompimento significativo em
relação às práticas e princípios do
passado. O Instituto Coreano da
Unificação Nacional, uma organização de pesquisa de Seul, diz que
as mudanças foram tão amplas
que se tornou impossível voltar
atrás.
A extensão e impacto das mudanças são difíceis de avaliar, em
parte devido à escassez de dados
(a Coréia do Norte não publica estatísticas oficiais desde 1965) e em
parte porque o acesso ao "Reino
Ermitão" é altamente vigiado.
Mas, em viagem de dez dias, o
"Financial Times" visitou a fábrica de cabos elétricos, mercados,
lojas estatais e barracas de rua, e
conversou com cidadãos norte-coreanos comuns para retratar a
economia do país.
A ampliação das disparidades
entre os norte-coreanos e a inflação descontrolada, estimada em
130% ao ano, são os resultados
mais óbvios das reformas.
"A pobreza não é mais dividida
igualmente", diz Kathi Zellweger,
da Caritas. Hwan, uma viúva de
40 e poucos anos, trabalha oito
horas por dia no escritório de
uma fábrica estatal perto da fronteira com a China, mas tem dificuldades para colocar comida na
mesa e alimentar seus filhos adolescentes.
Ela passa seu tempo livre vendendo legumes no mercado e assim ganha o bastante para bancar
dois terços das calorias mínimas
de que seus filhos precisam. A
ONU ajuda a cobrir o resto.
Com vastas reservas minerais, a
metade norte da Coréia foi sempre o coração industrial da península, enquanto o sul, agrário, alimentava o país. Depois da divisão, ao final da guerra da Coréia
(1950-1953), a economia do norte
tinha desempenho superior à do
sul. Mas a ideologia e a natureza
mudaram o destino da Coréia do
Norte.
O colapso da União Soviética
viu o desaparecimento de um de
seus dois principais benfeitores
-o outro é a China- , e pôs fim
ao bloco socialista que permitia a
Pyongyang trocar carvão e magnésio por alimentos.
Em 1995, uma inundação destruiu as plantações e gerou uma
fome que, segundo as agências de
assistência, matou quase dois milhões de pessoas, cerca de 10% da
população do país. A China, enquanto isso, perdeu quase todo o
interesse em seus parceiros comunistas, à medida que descobria
oportunidades econômicas mais
amplas no mundo. Ao mesmo
tempo, o beligerante isolacionismo da Coréia do Norte, que ostenta armas nucleares como peça
de negociação para extrair benefícios econômicos do mundo externo, assustou os doadores estrangeiros e os potenciais investidores. Depois de décadas como metade mais próspera da península,
a renda nacional da Coréia do
Norte é agora de apenas US$ 21
bilhões ao ano, o equivalente a
apenas 3% do Produto Nacional
Bruto (PIB) do sul. O salário médio sul-coreano é 15 vezes mais alto do que o norte-coreano.
"Devido ao colapso dos países
socialistas da Europa Oriental e
depois que algumas nações adotaram sistemas
mais capitalistas,
reconhecemos
que houve dificuldades na administração de nossa economia", diz
Seo Jae-yong,
professor na Universidade Nacional de Economia
da Coréia do Norte. "Nós precisamos de moedas
fortes para lidar com a nova situação e promover o desenvolvimento do país. Mas eu diria que houve
certo progresso".
As agências assistenciais apontam para a nova prosperidade dos
comerciantes e fazendeiros. "Há
claramente uma classe mais abonada emergindo", diz Richard
Ragan, diretor do Programa
Mundial de Alimentos da ONU
na Coréia do Norte. "Nas cinco cidades mais prósperas do país,
surgiu uma espécie de classe média, com renda disponível."
Mas do mesmo modo que há
ganhadores, há muitos perdedores. O problema é evidenciado pelo o número crescente de pobres
urbanos em centros industriais
como Hamhung e Kim Chaek,
onde muitas fábricas fecharam.
Em 2004, as agências de assistência estimavam que pelo menos
30% da população em idade de
trabalhar estava subempregada
ou desempregada, e que, embora
alguns continuassem a receber
salários, o valor havia caído abaixo do nível de subsistência.
Cho Myong-chol, economista
da Universidade Kim Il-Sung que
desertou para o sul, argumenta
que as reformas não obtiveram
sucesso porque não conseguiram
estimular o crescimento econômico. "Reformas econômicas
bem-sucedidas melhorariam a
qualidade de vida das pessoas,
mas os norte-coreanos continuam sofrendo escassez de comida e mercadorias, e a distância entre ricos e pobres só aumenta."
Cho diz que as reformas não serão ampliadas com sucesso enquanto o regime der prioridade à
sua sobrevivência. De qualquer
forma, a reforma é um jogo notavelmente arriscado para o "Querido Líder".
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Missão no Caribe: Brasil se prepara para aumento da violência no Haiti Próximo Texto: Panorâmica - França: Chirac ficará uma semana no hospital Índice
|