São Paulo, sexta-feira, 04 de outubro de 2002

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ANÁLISE

Na diplomacia, Iraque joga com habilidade

MICHAEL R. GORDON
DO ""THE NEW YORK TIMES"

A decisão iraquiana de readmitir os inspetores da ONU intensificou as divergências entre os EUA e seus aliados e complicou a tentativa do governo Bush de conquistar a aprovação do Conselho de Segurança (CS) para uma resolução contundente.
Buscando reconquistar a iniciativa, Bush anunciou, anteontem, ter chegado a um acordo com as lideranças da Câmara quanto a uma resolução que o autorize a recorrer à força se Saddam Hussein se recusar a se desarmar.
A iniciativa parece ter tido como objetivo mostrar à ONU que o presidente conta com o apoio de muitos parlamentares americanos e está disposto a tomar uma iniciativa militar por conta própria, se o CS relutar em agir.
Mas o Iraque escolheu uma carta fraca e a vem jogando com habilidade. Sua decisão, na terça-feira, de aceitar a inspeção de armas funcionou como golpe diplomático preventivo, para tentar afastar a ameaça de uma campanha militar preventiva lançada pelos EUA.
Na verdade, o objetivo do Iraque parece ser o de assegurar que os arranjos envolvendo a inspeção de armas sejam os mais indefinidos possíveis.
Para Bagdá, os inspetores de armas da ONU são os novos ""escudos humanos". Enquanto eles estiverem trabalhando ativamente em território iraquiano, será difícil ou mesmo impossível para a administração Bush dar início a sua campanha militar.
""O plano de jogo iraquiano é diluir ao máximo a resolução do CS", disse Gary Samore, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos e ex-assessor do governo Clinton.
"Em última análise, há uma chance muito boa de que o Iraque aceite qualquer resolução que o CS venha a aprovar, porque ele sabe que a alternativa é a guerra. Uma vez que aceitos os inspetores, os iraquianos farão justamente o mínimo necessário para evitar violar a resolução abertamente. Ou seja, vão fazer hora, procurando ganhar tempo."
Washington, por outro lado, quer resolver a questão da concordância do Iraque com as inspeções o mais rapidamente possível para que, se for o caso de iniciar uma guerra, a ação militar possa ser empreendida ainda neste inverno. Se as inspeções atolarem, como a Casa Branca prevê, os EUA poderão atacar quando o tempo mais frio facilitar o trabalho dos soldados. Com esse objetivo em mente, o governo Bush redigiu um esboço de resolução que, em essência, faz uma lista de duras exigências ao Iraque.
O anúncio feito pelo Iraque de que planeja o retorno dos inspetores fortaleceu a posição do país sob vários aspectos. A iniciativa visou assinalar que o Iraque está disposto a cooperar com os procedimentos de inspeção já existentes da ONU e, assim, pareceu ter o objetivo de fortalecer a oposição francesa e russa à iniciativa americana. Além disso, colocou Washington na posição difícil de ter de explicar por que razão não aceita o "sim" iraquiano.
A inspiração do Iraque veio das divisões existentes no interior da administração Bush. Durante todo o verão americano, houve divergências profundas quanto a se o país deveria seguir adiante com uma campanha militar para derrubar Saddam ou se, antes disso, deveria emitir um ultimato quanto à readmissão dos inspetores da ONU. Meses se passaram sem uma resposta clara.
A longo prazo, a posição de Saddam não é nada invejável. A não ser que o caráter de seu governo mude de maneira significativa, será difícil o Iraque aceitar as inspeções ""profundas", o que proporcionará à administração Bush a provocação que ela procura.
A curto prazo, porém, a administração Bush precisa mobilizar o apoio do CS para tornar as inspeções as mais completas possíveis, e as iniciativas recentes do Iraque deixaram isso mais complicado.


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