|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Obter empréstimo é mais fácil para branco, diz analista
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista americano Gary
Dymski, 50, da Universidade da
Califórnia, estudou por 15 anos o
mercado de crédito americano e
chegou a uma conclusão: um negro tem uma probabilidade 50%
maior que a de um branco de ter
um pedido de crédito negado por
uma instituição financeira.
"Pode haver uma lógica econômica por trás dessa diferenciação,
mas ela reflete um viés racista",
explicou o economista, que analisou pedidos de empréstimos de
brancos, negros, asiáticos e latinos durante toda a década de 90.
Em sua avaliação, a sociedade
tem a tendência de pensar que os
"negros não são tão confiáveis".
"Poucos americanos pensam que
eles são racistas. Mas, se você conversar com afro-americanos,
muitos dirão que foram discriminados em diferentes mercados",
disse Dymski, que esteve em São
Paulo como professor convidado
da pós-graduação do Departamento de Economia da USP. Leia
a seguir trechos da entrevista.
Folha - No mercado de crédito
americano, há discriminação em
relação aos afro-americanos?
Gary Dymski - Há claras evidências disso. Houve muitas mudanças ao longo dos anos, mas ainda
há discriminação. O grupo que
sofre maior discriminação são os
afro-americanos. A maioria dos
estudos mostra que a discriminação atinge de 25% a 50% dependendo do estudo. De uma forma
geral, tudo mais constante (renda,
idade, nível de escolaridade e histórico de pagamento de crédito),
em geral, um negro tem 25% a
mais de chance de ter um pedido
de crédito negado.
Folha - Por que isso ocorre?
Dymski - Para alguns, isso ocorre
porque há outros fatores ligados à
raça que não estão ligados diretamente ao mercado de crédito:
emprego, histórico de crédito, etc.
Muitas das pessoas falam que o
problema não está ligado à raça,
mas sim a problemas sociais como educação. Só que, quando você considera esses fatores, ainda
vemos o viés racial. Há maneiras
diferentes de interpretar isso.
A primeira é que há um viés
consciente dos credores. Eles simplesmente não gostam de negros,
de fazer negócios com eles. É uma
forma agressiva de comportamento dos credores. Essa é uma
possibilidade, eles são predadores
raciais. A outra é que o credor pode não estar ciente do seu viés. Ele
parte do pressuposto de que o negro não vale o risco do empréstimo. Acho que essa possibilidade é
muito mais comum. Poucos americanos pensam que eles são racistas. Mas, se você conversar com
afro-americanos, muitos dirão
que foram discriminados em diferentes mercados.
Há uma tendência na sociedade
de achar que os negros não são
tão confiáveis. Acham que provavelmente o candidato [ao crédito]
branco é mais confiável.
Folha - Como o sr. chegou a essa
conclusão?
Dymski - Nos estudos sobre mercados de créditos, assim como em
outras áreas, há basicamente duas
ou três formas de abordagem. A
primeira é utilizar métodos estatísticos, como testes econométricos. Os resultados de que falei foram baseados em modelos econométricos. O segundo é um método em que pessoas são enviadas
para fazer um pedido de empréstimo em diferentes mercados.
Usam-se várias amostras, e aí são
colhidas estatísticas sobre o desempenho de uma mulher afro-americana, por exemplo, em relação a um homem afro-americano
ou uma mulher branca. O terceiro
é o estudo de casos em que se analisa intensamente uma comunidade e suas relações socioeconômicas por meio do trabalho de
antropólogos e sociólogos.
Folha - A discriminação funciona
do mesmo modo entre latinos e
afro-americanos?
Dymski - Nos nossos estudos sobre Los Angeles, há algo como
35% de probabilidade maior [em
relação aos brancos] de negação
de pedido de crédito para afro-americanos. Para os latinos, isso
seria 28% no início da década de
90. Desde então, o coeficiente
afro-americano ficou estável entre 25% e 30%. E o latino tornou-se algo entre 10% e 15%, mas, em
alguns anos, deve desaparecer em
termos estatísticos.
Folha - Por quê?
Dymski - Se olharmos no caso de
Los Angeles, veremos a transformação de uma cidade que era predominantemente branca para
uma cidade cujo grupo étnico
mais significativo é a população
latina (40%). Os latinos têm se
mostrado um mercado consumidor promissor tanto para o setor
imobiliário quanto para o de crédito imobiliário. Há algumas evidências de que o mercado está
mais aberto a esse grupo de pessoas da América Central, do México etc. Vemos diferentes padrões de discriminação. No caso
do mercado imobiliário, a discriminação pode ocorrer tanto na
concessão de crédito quanto na
indicação da casa a ser financiada.
Existem diferentes discriminações: onde você vai morar, que tipo de empréstimo você vai ter, a
quem você está pedindo. Isso acaba levando a um ciclo. Acaba-se
tendo uma vizinhança onde só há
afro-americanos que têm pouco
acesso a crédito para casas, então
eles alugam, não são proprietários. Esse efeito cumulativo acaba
limitando as oportunidades de
construir riqueza naquela comunidade. O Fed (Federal Reserve, o
banco central dos EUA) faz a cada
três anos um senso sobre as finanças dos consumidores que mostra
a diferença entre a evolução da riqueza dos brancos e dos negros.
Folha - A discriminação ocorre
com a cobrança de taxas de juros
diferentes para negros e brancos?
Dymski - Eles dão uma proposta
diferente. Mercados distintos
possuem diferentes padrões de
discriminação. No de crédito, podemos dizer que há o mercado de
"primeira escolha" e de "segunda
escolha". O primeiro vai ter vencimento de 30 anos e taxa de 6,5%
ao ano. Algumas pessoas são tidas
como arriscadas, vivem em vizinhanças de baixa renda e recebem
os contratos de segunda escolha:
15 anos e pagam 9% ao ano. Pode
haver uma lógica econômica por
trás dessa diferenciação, mas ela
reflete um viés racista.
Folha - Se um sueco e um brasileiro com renda, idade e local de moradia iguais pedem um empréstimo, são cobradas taxas diferentes?
Dymski - Penso que haverá uma
diferença de tratamento. Mas teria de ser feito um teste para confirmar essa tese. O que sabemos é
que os negros possuem uma probabilidade maior de terem os seus
pedidos negados. Esse é um resultado econométrico muito forte.
Folha - A discriminação também
ocorre em mercados emergentes?
Dymski - No Brasil, existem diferenças regionais. Elas fazem parte
de uma história de opressão racial
e escravatura. No caso do Nordeste, uma das consequências da
concentração de negros é que ela
é essencialmente desigual por Estados e regiões em níveis de renda, escolaridade, riqueza.
Texto Anterior: Discriminação: Negros pagam juros mais altos nos EUA Próximo Texto: Venezuela: TV contrária a Chávez tem cabos cortados Índice
|