São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009

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Acordo não desatará tensão em Honduras, diz analista

Golpe aglutinou setores que cobram mudanças, segundo especialista hondurenho

Fabrico Herrera prevê que "resistência ao golpe" deve insistir em Constituinte e que abstenção deve ser alta nas eleições gerais

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se não havia respaldo social suficiente à ideia de Manuel Zelaya de promover uma Constituinte em Honduras, o golpe contra ele acabou por reforçá-lo, diz o analista político hondurenho Fabrício Herrera, 41.
Por isso, Herrera acredita que, mesmo na hipótese de um acordo político entre o deposto e o governo golpista de Roberto Micheletti, são poucas as chances de que as tensões sociais e políticas do país se dissolvam no curto prazo.
Herrera é assessor político do Grupo da Sociedade Civil (GSC), organização que, por lei, deve ser consultada na aplicação do fundo antipobreza estatal. Em contato com 12 setores sociais de Honduras, de minorias étnicas a sindicatos, o analista ataca a Carta atual, de 1982, feita à medida das circunstâncias de Honduras numa América Central conflagrada pela Guerra Fria.
Leia trechos da entrevista com Herrera, coautor de "Do diálogo à Concertação em Honduras" (Gardabarranco, 2005).

 

FOLHA- Para onde caminha a crise?
FABRÍCIO HERRERA -
Não vejo uma solução a curto prazo, nem com acordo e retorno do presidente Zelaya ao poder, muito menos com a consolidação do governo de fato. Obviamente, a volta de Zelaya o mais breve possível ao poder e a atenção à demanda por uma Assembleia Constituinte promoveria o trânsito em direção a uma solução. Há tantas tensões acumuladas que é o único caminho viável para uma solução duradoura e sustentável.

FOLHA- Mas a ideia corrente é que a demanda pela Constituinte não tem respaldo social. Zelaya só mimetizava o chavismo...
HERRERA -
Há algo de certo no que dizem, mas o problema é que o golpe de 28 de junho reposicionou tudo, reposicionou forças políticas e sociais. Uma mostra é que, no domingo do golpe, pela manhã, havia 3.000 pessoas na casa presidencial. À noite, falava-se de 60 mil. Houve duas grandes manifestações da resistência: quando ele tentou voltar em julho, e na data pátria de Honduras, em setembro. É possível que a Constituinte antes do golpe não tivesse tanta força. O tema é que o golpe em si somado às ações posteriores do governo de fato pode ter empurrado uma porção de gente nessa direção.

FOLHA- Quem compõe a resistência ao golpe?
HERRERA -
É um tecido bastante complexo, horizontal. É difícil achar um protagonista. Há apoios de grupos indígenas, organizações rurais, camponeses, partidos políticos pequenos, sindicatos como o dos professores, setores da igreja. Difícil que eles desistam da Assembleia Constituinte. A Constituição atual foi feita quando a América Central era um ponto quente da Guerra Fria, com a guerrilha em El Salvador, com a Revolução Sandinista. Saíamos de 30 anos de governos militares em Honduras. Foi feita com base nas circunstâncias que a pressionavam, não foi pensada para durar tanto tempo. Obviamente, durante quase 30 anos ela conseguiu funcionar mais ou menos bem, mas não na questão econômica ou na efetiva participação democrática.

FOLHA- Mas, se há tanta insatisfação, porque um candidato conservador é o favorito nas eleições?
HERRERA -
O sistema político representativo está em colapso. Em Honduras vêm aumentando os índices de abstenção. É provável que, com o golpe, agora seja ainda maior que os 50% que se prognosticava. Quando Zelaya foi eleito, a abstenção foi de 44%. Quando se fala de Porfirio Lobo [Partido Nacional, de direita] como favorito, falamos do sistema do jeito que funciona. Mas não me espantaria se o candidato independente Carlos Reyes tivesse votação expressiva se as eleições fossem feitas em condições normais. Nessa conjuntura pós-golpe, Zelaya se converteu num importante eleitor.

FOLHA- Por que foi golpe?
HERRERA -
Não precisa de muita discussão nem falar que militares o levaram para Costa Rica. O Congresso baixou o decreto 141-2009 para pôr Roberto Micheletti no poder, e retirar Zelaya por violações administrativas, o que não tem competência para fazer. O decreto nem fala da Corte Suprema. Eles apresentaram uma suposta carta de renúncia de Zelaya, mas o decreto também não a cita. Também cita que a substituição se dá em caso de "ausência absoluta do presidente", como se ele tivesse desaparecido ou morrido... A sessão está lá no Youtube (www.youtube.com/watch?v=tDE2wrP6gGU).


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