São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ÁFRICA

Processo envolve até a revelação de que o presidente cria ratos gigantes Nigéria enfrenta crise de corrupção

O presidente Olusegun Obasanjo durante conferência em Abuja

MICHAEL PEEL
DO "FINANCIAL TIMES"

A muito criticada campanha nigeriana contra a corrupção acaba de entrar em estágio ainda mais surrealista, com a tentativa de processar o governador de um Estado transformada em novela constitucional, com participação especial dos ratos gigantes criados em uma fazenda do presidente.
As acusações e as contra-acusações se concentram na tentativa de processar Joshua Dariye, governador de um Estado da Nigéria, detido em setembro em um hotel de Londres carregando mais de 90 mil libras (US$ 130 mil), de acordo com documentos divulgados pelo governo. Os partidários do governador alegam que a ação do governo nigeriano contra ele tem motivos políticos. Dariye continua no poder, por enquanto, e tem imunidade contra processos judiciais enquanto estiver exercendo seu mandato.
A paralisação da investigação -e a decisão oficial de processar Dariye- são vistas como emblemáticas de um governo civil que não conseguiu implementar estruturas firmes de combate à corrupção, depois de cinco anos e meio no poder, e só persegue pessoas envolvidas em acusações quando isso lhe é conveniente em termos políticos.
Os envolvidos na campanha de combate à corrupção dizem que a elite governante, vista como corrupta, continua a desfrutar de quase completa impunidade. Enquanto isso, os preços elevados do petróleo garantem uma renda de cerca de US$ 2 bilhões ao mês em petrodólares à Nigéria.
"É isso que acontece, na verdade, quando um país passa por transição sem transformação", diz Kayode Fayemi, diretor de uma organização de defesa dos direitos dos cidadãos.
"Houve um pacto entre os militares que estavam saindo do poder e não queriam cair em desgraça e a classe política que estava chegando ao topo e não estava interessada em mudança", afirma.
A saga de Dariye começou no mês passado, depois que o governo divulgou documentos comprometedores sobre ele um dia depois que retomou o poder em seu Estado, Plateau. As acusações surgiram após investigações das polícias nigeriana e britânica, que detiveram o governador em setembro por lavagem de dinheiro.
As alegações contra ele oferecem um raro vislumbre detalhado das operações de acobertamento complacentes e desajeitadas que aparentemente caracterizam boa parte das transações corruptas da Nigéria. Dariye -cujas iniciais são JD- disse à polícia britânica que o apartamento de 395 mil libras do qual era acusado de ser o proprietário secreto na verdade pertencia a um amigo chamado Joseph Dagwan.
Quando a polícia invadiu a residência, em setembro, encontrou "provas claras" de que membros da família de Dariye viviam lá; o governador mesmo apareceu no meio da batida, informam os documentos.
Ezekiel Dalyot, assessor do governador, se recusou a comentar as alegações, porque as investigações continuam em curso.
Depois da má publicidade, o presidente Olusegun Obasanjo fez uma revelação incomum na semana passada. Um porta-voz da presidência anunciou que ele fatura US$ 230 mil por mês com sua fazenda, cuja produção varia de avestruzes a roedores gigantes conhecidos como "corta-grama".
Os céticos temem que o caso de Plateau seja relegado ao limbo das investigações permanentemente adiadas. Não seria o primeiro. Mais de uma década atrás, pelo menos US$ 3 bilhões em ganhos extraordinários com o petróleo foram dados como desaparecidos dos cofres públicos. As autoridades até hoje não publicaram seu relatório sobre o caso.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Oceania: Austrália vive aumento de tensão racial
Próximo Texto: Europa: Relatório revela abusos em quartel britânico
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.