São Paulo, sábado, 05 de março de 2005

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ANÁLISE

O que quer o Brasil?

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O crescente isolamento de Bashar al Assad na comunidade internacional gera uma dúvida específica para o Brasil: por que o governo brasileiro se aproximou tanto da Síria e se mantém mudo sobre a ocupação do Líbano?
Na verdade, para desespero do Itamaraty lulista, pouco importa a posição do Brasil. O país não tem peso no principal ""hotspot" do mundo, o Oriente Médio.
Ainda assim, o Brasil coleciona gestos de amabilidade com o regime hereditário de Assad: Damasco já foi louvada como essencial à estabilidade regional, e o ditador local, citado como o ""grande líder árabe" a ser contatado para tentar descobrir o paradeiro do brasileiro seqüestrado no Iraque. E a Síria nem sequer tem petróleo para justificar cinicamente a proximidade, como ocorreu no caso da agora palatável ditadura de Muammar Gaddafi na Líbia.
Há sempre quem diga, como o ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), que os frutos comerciais são inestimáveis, já que o novo avião de Luiz Inácio Lula da Silva ""foi pago" com o acréscimo nas exportações à Síria. Realmente, houve um salto: as exportações de commodities agrícolas quase triplicaram de 2003 a 2004 -mas para US$ 120 milhões, algo inexpressivo no geral da balança comercial brasileira (cerca de US$ 100 bilhões de março de 2004 a fevereiro de 2005).
Por fim, há a especificidade da ocupação do Líbano. O país tem mais descendentes no Brasil do que habitantes em seu território, com influência cultural e política, e a grande parte elitizada dessa comunidade é francamente contrária à presença síria. Não se trata de orientar política externa para grupos internos, mas a falta de sensibilidade é flagrante.
Quando até Moscou pressiona seu parceiro de décadas, fica quase impossível entender que exista no Itamaraty alguma motivação geopolítica palpável para justificar a não-posição sobre a Síria e a ocupação do Líbano. Exceto uma: a vontade quase pueril de mostrar-se independente dos EUA.
É argumentável que talvez seja mais fácil ser antiamericano estando longe do problema do que, por exemplo, o ser nas delicadas relações com os interesses do Tio Sam no verdadeiro quintal geopolítico do Brasil -a América do Sul de Chávez, Uribe e Kirchner.
Mas essa ""independência" pode ir para o escaninho de ""contas a pagar" que a diplomacia de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães tem se ocupado para manter recheado. É bom, é altivo? Talvez sim, talvez não. Mas quando o Brasil se vê praticamente sozinho com o Irã como aliado da Síria, a altivez corre risco de virar piada, ou coisa pior.


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