São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE

Especialista aponta que vírus da gripe do frango é fácil de ser destruído, mas que poucos países adotaram medidas

Há complacência com H5N1, diz cientista

FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

Atual terror da humanidade, a cepa H5N1 do vírus da gripe aviária não resiste a um bom desinfetante. Em meio ao catastrofismo generalizado detonado pelo alastramento da doença, descobertas como essa têm feito do virologista John Oxford um esperançoso.
Professor da Universidade Queen Mary e diretor-científico do Retroscreen Virology, principal laboratório europeu de pesquisas em virologia, baseado na universidade, ele conduz dois experimentos que podem ser decisivos no combate à gripe aviária: o dos desinfetantes, que serão usados para lavar as mãos e limpar superfícies em áreas afetadas, e o desenvolvimento de máscaras protetoras contra a doença.
Em entrevista à Folha, Oxford calcula a dimensão de uma pandemia e conta como o Brasil deve se preparar para ela.

Folha - O vírus vai sofrer mutações que permitam o contágio entre humanos? Quando?
John Oxford-
É o que todos queríamos saber, pois ajudaria muito a nos prepararmos. Há uma pequena evidência de que o vírus já foi transmitido entre humanos em algumas famílias do sudeste da Ásia. Na forma atual, a capacidade de transmissão numa família existe, mas no grande ambiente externo, não. Levando tudo em consideração, a distância desde a última epidemia [de gripe fatal], em 1968, a transmissão rápida dessa forma do vírus, o número de aves infectadas e a possibilidade de transmissão para humanos etc, não acho que seja inesperado termos uma epidemia nos próximos 18 meses. Não acho que deveríamos ser complacentes com esse H5N1. E há muitos que estão complacentes.

Folha - Quem?
Oxford-
Vários governos. Porque a OMS e a ONU pediram a todos os governos do mundo que se preparem para uma pandemia, que tenham pelo menos um plano. E me parece que pouco mais que a metade o fez. Cerca de 250 nações têm um plano.

Folha - É 100% seguro de que o vírus chegará ao Brasil?
Oxford-
Não. Mas eu ficaria surpreso se não chegasse. Se eu estivesse no Brasil, nos ministérios da Saúde ou da Agricultura, queria ter certeza de que há um plano consistente, como um plano de guerra, sobre o que fazer quando o vírus chegar.

Folha - Que plano o Brasil deve ter para se proteger?
Oxford-
Primeiro você tem de ter um plano para conter o pânico se o vírus se espalhar na comunidade. Vocês não querem uma situação como Nova Orleans, querem? É preciso saber o que pode acontecer: quantos hospitais estão disponíveis, quantas pessoas podem ser infectadas, para poder aconselhar a população. E, muito importante, tomar a decisão de estocar remédios e vacinas. É responsabilidade dos criadores e do governo proteger as criações. Vocês são exportadores importantes de frango. Suspeito que no momento estejam em boa posição, porque outros países pararam de exportar. É preciso um plano de vacinação das criações, o México começou a vacinar. Ter 10 milhões de doses [para aves] no país ajudaria.

Folha - O que representa para o mundo o fato de o vírus ter atingido a África, o continente mais pobre, e a Índia, um país com muita pobreza e a segunda maior população do mundo?
Oxford-
Eu vejo a gripe aviária na Índia como uma ameaça maior, porque há um bilhão de pessoas lá. Se começar a se mover rapidamente, poderá haver uma situação tão ruim quanto no sudeste asiático.

Folha - Quais são os países-modelo na prevenção e no combate à doença?
Oxford-
Holanda, no topo da escala. Tomou decisões preliminares, tanto em relação à industria de frangos quanto à população, tem estoques de remédios, não está esperando acontecer. Depois possivelmente Canadá e Reino Unido. Entre os países que já têm a doença, o Vietnã, que tem uma boa ação combinada de vacinar e matar aves e está sem registro de casos há semanas.

Folha - Se houver uma pandemia, quantos podem morrer?
Oxford-
Coloquemos de outra forma: não queremos que ninguém morra. Com as novas drogas, com os novos conhecimentos -que não estavam disponíveis em 1918 [gripe espanhola], 1957 [gripe asiática] ou 1968 [gripe de Hong Kong], quando ninguém sabia o que estava acontecendo- e com a atitude muito ativa da OMS, espero que o índice de mortes seja muito, muito menor do que o de quaisquer outras epidemias.

Folha - O que isso significa?
Oxford-
Colocando em perspectiva, em 1918 foram 50 milhões de mortes; em 1957, provavelmente cerca de 4 milhões e em 1968, 2 milhões. O objetivo agora é reduzir este último número o máximo, máximo quanto possível. Um objetivo claro seria ter menos de 2 milhões de mortes.

Folha - Por que as patentes dos antivirais Tamiflu e Relenza não foram quebradas?
Oxford-
Isso é uma questão para ser feita à Roche e à Glaxo, não é correto fazê-la para mim. Tudo o que posso dizer é que se essas companhias não tivessem investido muito dinheiro nessas drogas, agora estaríamos muito vulneráveis, porque não teríamos nenhuma antiviral. Acho que temos de agradecer a elas.

Folha - Tem havido uma queda brusca nas vendas de frango na Europa. É mesmo impossível contrair o vírus ingerindo carne de aves contaminadas?
Oxford-
Não há dúvida de que é seguro comer a carne depois de cozida, porque esse vírus não resiste nem mesmo a pouco calor, 50 ou 60 graus já o matam. O problema pode surgir quando você manuseia o frango, arranca suas penas, tripas e cabeças.

Folha - Na Alemanha um gato morreu pelo vírus. Animais de estimação estão em risco?
Oxford-
Não é que estejam em risco, mas talvez possam difundir o vírus. Se você põe uma granja em quarentena, mata todas as aves num raio de 4 km, tudo bem. Mas, se animais como gatos são contaminados, obviamente podem se mover pela zona de quarentena. Você confinou os frangos, restringiu o movimento das pessoas e carros, mas você não pode rastrear um gato. E se ele se contamina comendo uma carcaça de frango e depois sai da zona de quarentena, afeta outras áreas. Não há motivo para se ter pânico com animais de estimação, os gatos em áreas de granjas é que têm de estar sob controle.

Folha - Qual foi a descoberta mais interessante que o sr. fez em suas pesquisas?
Oxford-
Foi que, surpreendentemente, o vírus é muito fácil de destruir. Estamos percebendo que é muito fácil de matá-lo com alguns desses desinfetantes. Estamos descobrindo que, até certa altura, conseguimos bloqueá-lo com máscaras e que as novas drogas são muito poderosas contra o vírus. São todas descobertas que me encorajam bastante.


Texto Anterior: América do Sul: Refugiados "invadem" a Amazônia pela fronteira colombiana
Próximo Texto: Europa: Problemas da UE são superáveis, diz analista
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.