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SAÚDE
Especialista aponta que vírus da gripe do frango é fácil de ser destruído, mas que poucos países adotaram medidas
Há complacência com H5N1, diz cientista
FÁBIO VICTOR
DE LONDRES
Atual terror da humanidade, a
cepa H5N1 do vírus da gripe aviária não resiste a um bom desinfetante. Em meio ao catastrofismo
generalizado detonado pelo alastramento da doença, descobertas
como essa têm feito do virologista
John Oxford um esperançoso.
Professor da Universidade
Queen Mary e diretor-científico
do Retroscreen Virology, principal laboratório europeu de pesquisas em virologia, baseado na
universidade, ele conduz dois experimentos que podem ser decisivos no combate à gripe aviária: o
dos desinfetantes, que serão usados para lavar as mãos e limpar
superfícies em áreas afetadas, e o
desenvolvimento de máscaras
protetoras contra a doença.
Em entrevista à Folha, Oxford
calcula a dimensão de uma pandemia e conta como o Brasil deve
se preparar para ela.
Folha - O vírus vai sofrer mutações que permitam o contágio entre humanos? Quando?
John Oxford- É o que todos queríamos saber, pois ajudaria muito
a nos prepararmos. Há uma pequena evidência de que o vírus já
foi transmitido entre humanos
em algumas famílias do sudeste
da Ásia. Na forma atual, a capacidade de transmissão numa família existe, mas no grande ambiente externo, não. Levando tudo em
consideração, a distância desde a
última epidemia [de gripe fatal],
em 1968, a transmissão rápida
dessa forma do vírus, o número
de aves infectadas e a possibilidade de transmissão para humanos
etc, não acho que seja inesperado
termos uma epidemia nos próximos 18 meses. Não acho que deveríamos ser complacentes com
esse H5N1. E há muitos que estão
complacentes.
Folha - Quem?
Oxford- Vários governos. Porque a OMS e a ONU pediram a todos os governos do mundo que se
preparem para uma pandemia,
que tenham pelo menos um plano. E me parece que pouco mais
que a metade o fez. Cerca de 250
nações têm um plano.
Folha - É 100% seguro de que o vírus chegará ao Brasil?
Oxford- Não. Mas eu ficaria surpreso se não chegasse. Se eu estivesse no Brasil, nos ministérios da
Saúde ou da Agricultura, queria
ter certeza de que há um plano
consistente, como um plano de
guerra, sobre o que fazer quando
o vírus chegar.
Folha - Que plano o Brasil deve
ter para se proteger?
Oxford- Primeiro você tem de
ter um plano para conter o pânico
se o vírus se espalhar na comunidade. Vocês não querem uma situação como Nova Orleans, querem? É preciso saber o que pode
acontecer: quantos hospitais estão disponíveis, quantas pessoas
podem ser infectadas, para poder
aconselhar a população. E, muito
importante, tomar a decisão de
estocar remédios e vacinas. É responsabilidade dos criadores e do
governo proteger as criações. Vocês são exportadores importantes
de frango. Suspeito que no momento estejam em boa posição,
porque outros países pararam de
exportar. É preciso um plano de
vacinação das criações, o México
começou a vacinar. Ter 10 milhões de doses [para aves] no país
ajudaria.
Folha - O que representa para o
mundo o fato de o vírus ter atingido a África, o continente mais pobre, e a Índia, um país com muita
pobreza e a segunda maior população do mundo?
Oxford- Eu vejo a gripe aviária
na Índia como uma ameaça
maior, porque há um bilhão de
pessoas lá. Se começar a se mover
rapidamente, poderá haver uma
situação tão ruim quanto no sudeste asiático.
Folha - Quais são os países-modelo na prevenção e no combate à
doença?
Oxford- Holanda, no topo da escala. Tomou decisões preliminares, tanto em relação à industria
de frangos quanto à população,
tem estoques de remédios, não está esperando acontecer. Depois
possivelmente Canadá e Reino
Unido. Entre os países que já têm
a doença, o Vietnã, que tem uma
boa ação combinada de vacinar e
matar aves e está sem registro de
casos há semanas.
Folha - Se houver uma pandemia,
quantos podem morrer?
Oxford- Coloquemos de outra
forma: não queremos que ninguém morra. Com as novas drogas, com os novos conhecimentos
-que não estavam disponíveis
em 1918 [gripe espanhola], 1957
[gripe asiática] ou 1968 [gripe de
Hong Kong], quando ninguém
sabia o que estava acontecendo-
e com a atitude muito ativa da
OMS, espero que o índice de mortes seja muito, muito menor do
que o de quaisquer outras epidemias.
Folha - O que isso significa?
Oxford- Colocando em perspectiva, em 1918 foram 50 milhões de
mortes; em 1957, provavelmente
cerca de 4 milhões e em 1968, 2
milhões. O objetivo agora é reduzir este último número o máximo,
máximo quanto possível. Um objetivo claro seria ter menos de 2
milhões de mortes.
Folha - Por que as patentes dos
antivirais Tamiflu e Relenza não foram quebradas?
Oxford- Isso é uma questão para
ser feita à Roche e à Glaxo, não é
correto fazê-la para mim. Tudo o
que posso dizer é que se essas
companhias não tivessem investido muito dinheiro nessas drogas,
agora estaríamos muito vulneráveis, porque não teríamos nenhuma antiviral. Acho que temos de
agradecer a elas.
Folha - Tem havido uma queda
brusca nas vendas de frango na Europa. É mesmo impossível contrair
o vírus ingerindo carne de aves
contaminadas?
Oxford- Não há dúvida de que é
seguro comer a carne depois de
cozida, porque esse vírus não resiste nem mesmo a pouco calor,
50 ou 60 graus já o matam. O problema pode surgir quando você
manuseia o frango, arranca suas
penas, tripas e cabeças.
Folha - Na Alemanha um gato
morreu pelo vírus. Animais de estimação estão em risco?
Oxford- Não é que estejam em
risco, mas talvez possam difundir
o vírus. Se você põe uma granja
em quarentena, mata todas as
aves num raio de 4 km, tudo bem.
Mas, se animais como gatos são
contaminados, obviamente podem se mover pela zona de quarentena. Você confinou os frangos, restringiu o movimento das
pessoas e carros, mas você não
pode rastrear um gato. E se ele se
contamina comendo uma carcaça
de frango e depois sai da zona de
quarentena, afeta outras áreas.
Não há motivo para se ter pânico
com animais de estimação, os gatos em áreas de granjas é que têm
de estar sob controle.
Folha - Qual foi a descoberta mais
interessante que o sr. fez em suas
pesquisas?
Oxford- Foi que, surpreendentemente, o vírus é muito fácil de
destruir. Estamos percebendo
que é muito fácil de matá-lo com
alguns desses desinfetantes. Estamos descobrindo que, até certa altura, conseguimos bloqueá-lo
com máscaras e que as novas drogas são muito poderosas contra o
vírus. São todas descobertas que
me encorajam bastante.
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