São Paulo, domingo, 05 de março de 2006
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EUROPA Para Zygmunt Bauman, autor do recém-lançado "Europa", tendências antagônicas se fundem em direção à unificação Problemas da UE são superáveis, diz analista
MÁRCIO SENNE DE MORAES Folha - No início de seu livro "Europa", o sr. diz que existe uma contradição essencial na UE. Por quê?
Ambas as tendências são desencadeadas por processos de globalização, que solapam a capacidade de os Estados-nações ortodoxos equilibrarem suas contas, forjarem políticas e protegerem a segurança de suas populações, sem oferecerem quaisquer substitutos institucionais capazes de desempenhar essas tarefas num nível superior ao dos Estados-nações. Estes são atirados em um espaço essencialmente caótico, desregulamentado e incontrolável; eles são fustigados por forças extraterritoriais poderosas, que estão muito além de seu alcance e contra as quais não têm meios de resistir. A segunda tendência deriva da inclinação a "olhar para trás". Ela pode ser vista como tentativa desesperada, mas provavelmente ineficaz, de represar a enchente que ameaça invadir a Europa, com a adoção de fronteiras ampliadas -mas sem esperança nenhuma de impedir as marés que a fustigam. Então pode ser que os Estados-nações da Europa, coletivamente, sejam capazes de conseguir o que não conseguiram, até agora, agindo individualmente? A primeira tendência é voltada ao futuro, buscando novas formas supranacionais de política, controle democrático, leis e jurisdição. Nessa perspectiva, a Europa pode ser vista hoje como um imenso laboratório em que são projetados e testados os meios de chegar a uma convivência pacífica e mutuamente benéfica, apesar das diferenças nacionais. Folha - É possível superar essa
contradição?
Assombrados pela incerteza que emana da "terra de ninguém" global, nossos contemporâneos buscam abrigo em algo mais próximo deles e, portanto, mais propício ao controle. Como parece haver muito pouco que podemos fazer para transformar o planeta num lugar mais seguro e confiável, quem sabe pelo menos aqui, no bairro que conhecemos, entre pessoas com quem podemos conversar e que podemos ouvir e entender, possamos nos esconder das tempestades que reinam lá fora? Sonhar com o entrincheiramento no espaço local é natural, mesmo que esse sonho constitua uma resposta equivocada e ineficaz à rápida transformação do planeta, de espaço, de oportunidades e de aventuras emocionantes em um deserto repleto de ameaças assustadoras. Praticamente não existe outra entidade imaginável à qual possamos vincular nossas esperanças de abrigo que seja tão tentadora quanto a "comunidade" conhecida pelos europeus pelo nome de nação. A nação ocupa um lugar muito especial entre as comunidades imaginadas, já que é parte inseparável da idéia de nação o conceito de que ela reúne o passado irrevogável e o futuro inteiramente incerto. Como a nação já é uma comunidade da história, ela aparenta ser maravilhosamente própria para tornar-se uma comunidade do destino. Num mundo imprevisível, finalmente se acha um chão sólido, imune a terremotos e protegido de ventos. Aristóteles disse que apenas feras ou anjos são capazes de sobreviver fora de uma "pólis". Em sua época, o ostracismo era o castigo último -de fato, o castigo capital- imposto pelos crimes mais hediondos. Na verdade, era uma perspectiva tão aterradora que Sócrates preferiu beber cicuta a enfrentar essa sina. Isso podia acontecer e acontecia porque o mundo habitado da Antigüidade era dividido em comunidades colonizadas, coesas e exclusivas, nas quais homens e mulheres nasciam e dentro das quais morriam. Isso mudou, porém, com o advento da modernidade. A unidade da comunidade, do Estado e do território foi irreparavelmente perturbada, e o Estado moderno passou a encarar uma luta árdua para reconstruir a unidade no território sobre o qual se estendia seu poder soberano. Em vista desse desafio, a idéia de "nação" era conveniente e desejável. Entretanto a nação não era como a comunidade de tempos anteriores, que se pretendia que viesse substituir. Aquela comunidade em estilo antigo não sabia que era uma comunidade; ela conservava sua integridade graças justamente a essa inocência. Ela se reproduzia "por acaso" e podia fazê-lo de maneira tão impensada porque não existia, para as pessoas nascidas nela, qualquer opção alternativa à de fazer parte dela. O momento em que ela ganhou consciência de si e, com isso, passou de comunidade "em si" para comunidade "por si", foi o momento de seu crepúsculo e de sua morte. A nação, pelo contrário, nasce e continua a existir só na modalidade "por si". Ela precisa ter consciência de sua identidade e agir a partir dessa consciência. Ela precisa ser recriada, reafirmada, reconfirmada diariamente pela lealdade palpável e efetiva de seus membros. Essa natureza das nações, como as "totalidades" nas quais as pessoas tendem a inscrever suas lealdades e sua obrigação de solidariedade, é ao mesmo tempo motivo de apreensão e de esperança. Apreensão: porque os nacionalismos podem tornar bastante desconfortável e cheia de obstáculos a estrada que conduz à humanidade unificada, já que, em muitas ocasiões, os egoísmos nacionais podem prevalecer sobre a solidariedade planetária sem a qual a sobrevivência de qualquer nação é hoje inconcebível. Mas também esperança: já que as nações hoje tão bem enraizadas foram originalmente invenções humanas precárias, criações históricas que prevaleceram sobre as mentalidades bitoladas e os interesses locais estreitos, a possibilidade de se repetir o feito, em escala planetária, não parece constituir projeto tão irrealizável assim. Folha - A crise gerada pela recusa
da França e da Holanda em adotar
a Constituição será superada logo? Folha - Parte importante da crise
tem a ver com o fato de que a UE é
vista por muitos como ilegítima.
Essa percepção pode ser mudada? Folha - É possível ter políticas comuns reais entre 25 países, que
têm interesses divergentes? Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Saúde: Há complacência com H5N1, diz cientista Próximo Texto: Panorâmica - Iraque sob tutela: Dez morrem em atentados em Bagdá; novo premiê ainda é problema Índice |
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