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Faxineira paga mais imposto que "capitalistas de cassino"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
Uma faxineira européia ou
norte-americana paga mais imposto do que executivos dos
portentosos "hedge funds", que
movimentam algo entre
US$1,4 trilhão e US$ 2,1 trilhões. A confissão foi feita ontem não por um partido de esquerda ou por alguma ONG anticapitalista, mas por um dos
principais executivos desses
fundos, especializados em
apostar em quase tudo, da taxa
de juros ao valor do gado.
Seu nome: Nicholas Fergunson, presidente da Schroder
Ventures Europe, a catapulta a
partir da qual nasceu Permira,
o maior fundo europeu de "private equity", outro sucesso do
momento no jogo financeiro,
especializado em comprar empresas, limpá-las e revendê-las
com o maior lucro possível. Ou
mantê-las, mas sempre em
busca de um lucro excepcional.
Fergunson admitiu, em entrevista ao jornal britânico "Financial Times", não ter encontrado até agora "nenhuma explicação clara" capaz de justificar o fato de que, nos Estados
Unidos e no Reino Unido, a taxação para executivos desse tipo de atividade financeira seja
tão camarada a ponto de fazer a
faxineira pagar mais que eles.
Apesar dessa aberração, os
governos dos países mais poderosos do mundo (os do G8) começam amanhã sua cúpula
anual com uma certeza: a proposta alemã para regular os
"hedge funds" já está derrotada, sobretudo pela oposição dos
EUA e do Reino Unido, base,
não por acaso, da maioria dos
9.000 fundos do planeta.
Angela Merkel, a chanceler
alemã, queria mais transparência e a aprovação de um código
de conduta para os fundos. Já
desistiu. Diz Bernd Pfaffenbach, seu "sherpa" (é o nome
dado aos delegados pessoais
dos chefes de governo, que fazem o trabalho preparatório da
cúpula): "Admito que não fomos longe nesse tema. Mas um
código de conduta voluntário
permanece uma boa idéia".
Na prática, significa que os
mercados derrotaram os governos que ainda insistem em algum tipo de regulação.
Em abril, o presidente do
Fed, o Banco Central americano, Ben Bernanke, já havia dito
que "um enfoque baseado no
mercado [para regulação dos
"hedge funds'] parece ter funcionado bem".
Não tão bem, a julgar pela
comparação entre as regras impositivas para seus executivos e
as que valem para mortais comuns, como as faxineiras.
Mais do que essa comparação, o ministro alemão de Finanças, Peer Steinbrueck, acha
que os fundos especulativos representam "um risco sistêmico". Por quê? Simples: "Alguns
deles estão alavancados cinco,
seis ou até sete vezes, o que significa que os credores podem
ser seriamente prejudicados se
um desses fundos se tornar insolvente", explica Steinbrueck.
Traduzindo: os fundos vão
tomando empréstimos um sobre os outros, para apostar no
que lhes parece mais apetitoso.
Enquanto há retorno, a bicicleta continua rodando. Mas,
quando alguém tropeça, acontece o soluço que houve no
mercado imobiliário norte-americano com empresas que
emprestavam para clientes de
alto risco.
Não é, portanto, um exagero
quando John Monks, secretário-geral da Federação Européia de Sindicatos, escreve,
também para o "Financial Times", que os "hedge funds" e as
"private equities" estão "entre
os mais selvagens animais da
floresta". Monks pede, inutilmente, que a Europa não ceda
ao que chama de "capitalismo
de cassino".
Com a desistência em conseguir algo mais de que uma débil
menção ao "capitalismo de cassino", o tema central da cúpula
do G8 será o aquecimento global, sobre o qual há divergências sérias entre Alemanha (e a
maior parte de seus pares do
G8) e os Estados Unidos.
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