São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Faxineira paga mais imposto que "capitalistas de cassino"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Uma faxineira européia ou norte-americana paga mais imposto do que executivos dos portentosos "hedge funds", que movimentam algo entre US$1,4 trilhão e US$ 2,1 trilhões. A confissão foi feita ontem não por um partido de esquerda ou por alguma ONG anticapitalista, mas por um dos principais executivos desses fundos, especializados em apostar em quase tudo, da taxa de juros ao valor do gado.
Seu nome: Nicholas Fergunson, presidente da Schroder Ventures Europe, a catapulta a partir da qual nasceu Permira, o maior fundo europeu de "private equity", outro sucesso do momento no jogo financeiro, especializado em comprar empresas, limpá-las e revendê-las com o maior lucro possível. Ou mantê-las, mas sempre em busca de um lucro excepcional.
Fergunson admitiu, em entrevista ao jornal britânico "Financial Times", não ter encontrado até agora "nenhuma explicação clara" capaz de justificar o fato de que, nos Estados Unidos e no Reino Unido, a taxação para executivos desse tipo de atividade financeira seja tão camarada a ponto de fazer a faxineira pagar mais que eles.
Apesar dessa aberração, os governos dos países mais poderosos do mundo (os do G8) começam amanhã sua cúpula anual com uma certeza: a proposta alemã para regular os "hedge funds" já está derrotada, sobretudo pela oposição dos EUA e do Reino Unido, base, não por acaso, da maioria dos 9.000 fundos do planeta.
Angela Merkel, a chanceler alemã, queria mais transparência e a aprovação de um código de conduta para os fundos. Já desistiu. Diz Bernd Pfaffenbach, seu "sherpa" (é o nome dado aos delegados pessoais dos chefes de governo, que fazem o trabalho preparatório da cúpula): "Admito que não fomos longe nesse tema. Mas um código de conduta voluntário permanece uma boa idéia".
Na prática, significa que os mercados derrotaram os governos que ainda insistem em algum tipo de regulação.
Em abril, o presidente do Fed, o Banco Central americano, Ben Bernanke, já havia dito que "um enfoque baseado no mercado [para regulação dos "hedge funds'] parece ter funcionado bem".
Não tão bem, a julgar pela comparação entre as regras impositivas para seus executivos e as que valem para mortais comuns, como as faxineiras.
Mais do que essa comparação, o ministro alemão de Finanças, Peer Steinbrueck, acha que os fundos especulativos representam "um risco sistêmico". Por quê? Simples: "Alguns deles estão alavancados cinco, seis ou até sete vezes, o que significa que os credores podem ser seriamente prejudicados se um desses fundos se tornar insolvente", explica Steinbrueck.
Traduzindo: os fundos vão tomando empréstimos um sobre os outros, para apostar no que lhes parece mais apetitoso. Enquanto há retorno, a bicicleta continua rodando. Mas, quando alguém tropeça, acontece o soluço que houve no mercado imobiliário norte-americano com empresas que emprestavam para clientes de alto risco.
Não é, portanto, um exagero quando John Monks, secretário-geral da Federação Européia de Sindicatos, escreve, também para o "Financial Times", que os "hedge funds" e as "private equities" estão "entre os mais selvagens animais da floresta". Monks pede, inutilmente, que a Europa não ceda ao que chama de "capitalismo de cassino".
Com a desistência em conseguir algo mais de que uma débil menção ao "capitalismo de cassino", o tema central da cúpula do G8 será o aquecimento global, sobre o qual há divergências sérias entre Alemanha (e a maior parte de seus pares do G8) e os Estados Unidos.


Texto Anterior: Análise: EUA devem gozar tempo que resta
Próximo Texto: Argentina: Kirchner ataca oposicionista que venceu 1º turno na capital
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.