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Iraque coloca política externa no centro da disputa
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Desde a reeleição de Ronald
Reagan, ocorrida em 1984, a política externa não desempenhava
um papel tão importante numa
eleição presidencial americana
quanto agora, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha.
Há alguns meses, os mesmos
analistas não acreditavam que ela
pudesse ter o destaque que vem
tendo nesta campanha. Porém os
desdobramentos da ocupação
iraquiana ganharam tal repercussão na mídia americana que, segundo eles, a situação se alterou.
"Desde o final da Guerra Fria, o
eleitorado deixou de lado sua
preocupação com a ameaça externa representada pela URSS e passou a concentrar-se quase exclusivamente em questões mais prosaicas, como a economia e o desemprego", disse Diana Owen,
autora de "Media Messages in
American Presidential Elections"
(mensagens da mídia em eleições
presidenciais americanas).
"Pesquisas recentes mostram,
no entanto, que o 11 de Setembro
pode ter mudado esse quadro.
Afinal, o medo de um novo ataque terrorista ainda paira sobre a
sociedade americana, e o governo
atual não parou de falar do combate ao terrorismo desde os atentados de 2001. Com isso, o modo
como essa guerra é conduzida por
[George W.] Bush tornou-se uma
real inquietação para os americanos", acrescentou Owen.
Ironicamente, a insistência do
presidente em salientar seu papel
de líder da guerra ao terror global
parece estar minando sua popularidade, como mostrou uma pesquisa do Instituto Gallup publicada há dez dias. Pela primeira vez
desde o 11 de Setembro, a maioria
dos entrevistados (55%) afirmou
que a guerra ao terrorismo -de
Bush- transformara os EUA
num país menos seguro.
Além disso, 54% disseram que
"os EUA cometeram um erro ao
enviar tropas ao Iraque". "O problema é saber o tamanho do estrago que a questão iraquiana fará
na campanha de Bush", analisou
Michael Bailey, professor da Universidade de Georgetown (EUA).
"Se a transição política no Iraque for bem-sucedida, os danos
não serão tão grandes. Mas, se soldados americanos continuarem a
morrer no ritmo atual, eles serão
bem maiores, já que os democratas insistirão no tema."
Nesse quadro, segundo Bailey, o
papel da mídia é fundamental, já
que ela difunde incessantemente
notícias sobre o Iraque desde o
início do ano passado. "Mais importante que o impacto econômico da guerra e da reconstrução
iraquiana, que só será sentido verdadeiramente em algum tempo, é
o fato de que o tema não sai dos
noticiários. E as manchetes dos
grandes jornais têm geralmente
sido contrárias a Bush nos últimos meses", apontou Bailey.
Ele ressaltou ainda que outro fator que poderá minar as chances
de reeleição de Bush é a ausência,
por enquanto, de armas de destruição em massa no Iraque.
"Os eleitores não confiam nos
políticos há muito tempo. Como
Bush tem uma carreira política
curta para um presidente e é bastante espontâneo, as pessoas acreditavam que ele não fosse como
os outros. Ou seja, elas pensavam
que ele era menos inclinado a
"dourar a pílula" para alcançar
seus objetivos. A falta de armas de
destruição em massa no Iraque
fará que mais gente o veja com o
ceticismo que é reservado aos outros políticos", explicou Bailey.
Finalmente, conforme lembrou
Thomas Patterson, da Universidade Harvard (EUA), o interesse
pela disputa eleitoral atual é
maior do que em outros pleitos.
"Uma de nossas pesquisas recentes mostrou que 57% dos jovens adultos, que têm entre 18 e 30
anos, acredita que a eleição deste
ano venha a ter verdadeira influência sobre o futuro do país.
Com isso, há um maior interesse
pelas notícias, e elas não são favoráveis a Bush neste momento."
Vale lembrar, contudo, que o
Iraque não será o único tema da
campanha. Entre outros assuntos,
a retomada do crescimento econômico, a controvérsia sobre o
casamento gay e a personalidade
dos candidatos também terão
destaque, o que dá alento a Bush.
Afinal, a questão iraquiana parece, por ora, ser bastante negativa para sua veleidade de reeleger-se, embora, de acordo com uma
pesquisa do "New York Times" e
da rede de TV CBS publicada na
última terça-feira, seu virtual adversário, o democrata John Kerry,
não consiga tirar vantagem da
aparente fraqueza do presidente.
Segundo ela, 40% dos americanos dizem não ter opinião sobre
Kerry, apesar dos US$ 60 milhões
gastos por ele em propaganda na
TV nos últimos três meses.
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