São Paulo, segunda-feira, 05 de julho de 2004

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Iraque coloca política externa no centro da disputa

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Desde a reeleição de Ronald Reagan, ocorrida em 1984, a política externa não desempenhava um papel tão importante numa eleição presidencial americana quanto agora, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha.
Há alguns meses, os mesmos analistas não acreditavam que ela pudesse ter o destaque que vem tendo nesta campanha. Porém os desdobramentos da ocupação iraquiana ganharam tal repercussão na mídia americana que, segundo eles, a situação se alterou.
"Desde o final da Guerra Fria, o eleitorado deixou de lado sua preocupação com a ameaça externa representada pela URSS e passou a concentrar-se quase exclusivamente em questões mais prosaicas, como a economia e o desemprego", disse Diana Owen, autora de "Media Messages in American Presidential Elections" (mensagens da mídia em eleições presidenciais americanas).
"Pesquisas recentes mostram, no entanto, que o 11 de Setembro pode ter mudado esse quadro. Afinal, o medo de um novo ataque terrorista ainda paira sobre a sociedade americana, e o governo atual não parou de falar do combate ao terrorismo desde os atentados de 2001. Com isso, o modo como essa guerra é conduzida por [George W.] Bush tornou-se uma real inquietação para os americanos", acrescentou Owen.
Ironicamente, a insistência do presidente em salientar seu papel de líder da guerra ao terror global parece estar minando sua popularidade, como mostrou uma pesquisa do Instituto Gallup publicada há dez dias. Pela primeira vez desde o 11 de Setembro, a maioria dos entrevistados (55%) afirmou que a guerra ao terrorismo -de Bush- transformara os EUA num país menos seguro.
Além disso, 54% disseram que "os EUA cometeram um erro ao enviar tropas ao Iraque". "O problema é saber o tamanho do estrago que a questão iraquiana fará na campanha de Bush", analisou Michael Bailey, professor da Universidade de Georgetown (EUA).
"Se a transição política no Iraque for bem-sucedida, os danos não serão tão grandes. Mas, se soldados americanos continuarem a morrer no ritmo atual, eles serão bem maiores, já que os democratas insistirão no tema."
Nesse quadro, segundo Bailey, o papel da mídia é fundamental, já que ela difunde incessantemente notícias sobre o Iraque desde o início do ano passado. "Mais importante que o impacto econômico da guerra e da reconstrução iraquiana, que só será sentido verdadeiramente em algum tempo, é o fato de que o tema não sai dos noticiários. E as manchetes dos grandes jornais têm geralmente sido contrárias a Bush nos últimos meses", apontou Bailey.
Ele ressaltou ainda que outro fator que poderá minar as chances de reeleição de Bush é a ausência, por enquanto, de armas de destruição em massa no Iraque.
"Os eleitores não confiam nos políticos há muito tempo. Como Bush tem uma carreira política curta para um presidente e é bastante espontâneo, as pessoas acreditavam que ele não fosse como os outros. Ou seja, elas pensavam que ele era menos inclinado a "dourar a pílula" para alcançar seus objetivos. A falta de armas de destruição em massa no Iraque fará que mais gente o veja com o ceticismo que é reservado aos outros políticos", explicou Bailey.
Finalmente, conforme lembrou Thomas Patterson, da Universidade Harvard (EUA), o interesse pela disputa eleitoral atual é maior do que em outros pleitos.
"Uma de nossas pesquisas recentes mostrou que 57% dos jovens adultos, que têm entre 18 e 30 anos, acredita que a eleição deste ano venha a ter verdadeira influência sobre o futuro do país. Com isso, há um maior interesse pelas notícias, e elas não são favoráveis a Bush neste momento."
Vale lembrar, contudo, que o Iraque não será o único tema da campanha. Entre outros assuntos, a retomada do crescimento econômico, a controvérsia sobre o casamento gay e a personalidade dos candidatos também terão destaque, o que dá alento a Bush.
Afinal, a questão iraquiana parece, por ora, ser bastante negativa para sua veleidade de reeleger-se, embora, de acordo com uma pesquisa do "New York Times" e da rede de TV CBS publicada na última terça-feira, seu virtual adversário, o democrata John Kerry, não consiga tirar vantagem da aparente fraqueza do presidente.
Segundo ela, 40% dos americanos dizem não ter opinião sobre Kerry, apesar dos US$ 60 milhões gastos por ele em propaganda na TV nos últimos três meses.


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