São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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ÁFRICA

Manifestantes ameaçam tornar Sudão um "terceiro atoleiro, depois do Afeganistão e do Iraque" caso estrangeiros entrem no país

100 mil marcham contra ONU no Sudão

Abd Raouf/Associated Press
"Bush, tire as mãos do Sudão", diz faixa em manifestação contra resolução da ONU, em Cartum


DA ASSOCIATED PRESS

Mais de 100 mil pessoas participaram ontem de um protesto organizado por Cartum contra uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que dá ao Sudão 30 dias para deter as violências praticadas por milícias árabes em Darfur, sob pena de retaliações econômicas e diplomáticas.
Os manifestantes também advertiram que o Sudão pode se tornar um campo de batalha como o Afeganistão ou o Iraque caso forças militares estrangeiras entrem no país para pôr fim ao conflito iniciado há 17 meses em Darfur, que já causou a morte de 30 mil pessoas e gerou mais de um milhão de refugiados.
"Se tomarem o Sudão por alvo, cairão em um terceiro atoleiro, depois do Afeganistão e do Iraque", disse Mohammed Ali Abdullah, importante membro do partido do governo, em comentários dirigidos ao presidente americano, George W. Bush, e ao premiê britânico, Tony Blair.
Embora nenhum governo ocidental tenha ameaçado invadir o Sudão, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, mencionou a possibilidade de uma intervenção depois que se tornou claro que Cartum não tem conseguido deter a violência na região. A França enviou uma pequena força militar à área fronteiriça entre o Chade e Darfur para impedir que militantes árabes cruzem a fronteira.
Na Etiópia, a União Africana anunciou que enviaria uma missão de paz com 1,6 mil a 1,8 mil soldados a Darfur para acelerar a assistência humanitária e combater as repetidas violações do acordo de cessar-fogo assinado em 8 de abril entre o governo sudanês e dois grupos rebeldes.
Em Nova York, Annan disse que enviaria uma equipe da ONU à Etiópia para trabalhar com a União Africana na reestruturação da força. "O simples fato de que [a força] esteja presente terá impacto positivo e servirá como dissuasão contra novos ataques", declarou Annan. Segundo ele, os protestos em Cartum "não são inesperados" e acrescentou que algumas vezes os governos usam manifestações para "pressionar" a ONU e "enviar mensagens à comunidade internacional".
Na sexta-feira, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução dando ao Sudão um prazo de 30 dias para conter as milícias árabes, às quais é atribuída a culpa pela violência em Darfur, sob pena de retaliações. Annan disse esperar que o Sudão coopere com a resolução, mas advertiu que haverá conseqüências caso Cartum não colabore.
Em 29 de julho, Annan acusou "membros das forças de segurança do governo sudanês" de ameaçar desabrigados e expressou preocupação quanto a "informações sobre intimidação, ameaças e ataques contra os refugiados".
Os manifestantes de ontem entregaram um memorando no escritório do enviado da ONU a Cartum, exigindo que Annan retirasse suas "declarações enganosas" ou renunciasse ao seu posto.
"O senhor, como secretário-geral da ONU, detém plena responsabilidade pela escalada da crise em Darfur, já que suas declarações formam a base da propaganda ocidental enganosa e hostil contra o Sudão", diz o memorando, escrito em árabe.
As Nações Unidas e organizações assistenciais internacionais acusam a milícia árabe pró-governo, conhecida como Janjaweed, de travar uma brutal campanha para expulsar a população negra da Província de Darfur.
O secretário-geral do Partido do Congresso Nacional, governista, Ibrahim Ahmed Omar, liderou os manifestantes em marcha do escritório da ONU ao palácio presidencial. Em discurso, acusou países estrangeiros de ameaçar o Sudão numa tentativa de ter acesso aos recursos naturais do país. "Eles sairão de mãos vazias... [porque] nós éramos mujahidin [guerrilheiros islâmicos] e continuamos a ser mujahidin", disse à população, que portava faixas incitando uma guerra santa.


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