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COMENTÁRIO
O arrogante caminho que levou à guerra
ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"
Quão arrogante foi o caminho
que levou à guerra! Agora, quando o presidente Bush tenta desesperadamente convencer a ONU a
resgatá-lo do Iraque -ele, que
nos avisou que a ONU corria o
risco de transformar-se numa Liga das Nações feita apenas de palavrório se se negasse a legitimar
sua invasão-, querem que acreditemos que ninguém em Washington teria sido capaz de prever
o que estava por vir.
Os "assessores" neoconservadores e pró-israelenses que cercam Donald Rumsfeld dizem
apenas que foram cometidos erros em suas premissas. Seu silêncio atual não surpreende muito,
agora que seu entusiasmo do pré-guerra afundou 146 mil soldados
americanos no maior atoleiro do
Oriente Médio.
Os senhores Bush e Blair abriram caminho para a guerra à custa de fantasias em torno de todas
aquelas míticas armas de destruição em massa, das "ameaças iminentes" do Iraque e da "libertação", "democracia" e mudança de
mapas com as quais supostamente iriam presentear o Iraque no
pós-guerra.
Mas os registros mostram exatamente quantos avisos prévios a
administração Bush recebeu da
parte de homens ponderados e
decentes, antes de mergulharmos
nesta aventura terrível.
Exemplo: as audiências realizadas pelo comitê de relações exteriores do Senado, em Washington, na véspera da guerra. O subsecretário assistente Douglas
Feith, um dos chamados "neo-cons" (neoconservadores) de
Rumsfeld, revelou que apenas
três semanas antes é que havia sido inaugurado um departamento
de "planejamento para o pós-guerra".
Ele e o subsecretário de Estado
Marc Grossman reconheceram
que o Pentágono vinha "refletindo" sobre o pós-guerra no Iraque
havia dez meses. Vale a pena examinar o depoimento de Feith com
cuidado. "As incertezas são enormes", disse ele. "O máximo que se
pode fazer, em termos de planejamento, é desenvolver conceitos."
O general da reserva Anthony
Zinni, no passado a figura de mais
alto escalão do comando militar
americano no Iraque, dono de
vasta experiência em "operações
de manutenção da paz" em Kosovo, na Somália e, em 1991, no norte do Iraque, desconfiou de que
havia algo de podre no reino da
Dinamarca e o disse em público.
"Será que queremos transformar o Iraque, ou apenas promover sua transição do regime inaceitável de Saddam Hussein para
um país razoavelmente estável?",
indagou.
"A transformação implica em
mudanças significativas em formas de governança, política econômica... Com certeza não haverá
uma democracia espontânea."
Zinni falou da jornada "longa e
árdua" rumo à reconstrução e
acrescentou, com estranha antevisão: "Não será um punhado de
pessoas que vai sair do Pentágono
tranquilamente, subir num avião
e desembarcar no país após a paz
militar para tentar fazer tudo funcionar".
Inacreditavelmente, foi o que
aconteceu. Primeiro foi Jay Garner, aquele do "encolha essa barriga e diga que tem orgulho de ser
americano", e depois o famoso
"especialista em antiterrorismo"
Paul Bremer que desembarcaram
em Bagdá para despedir e recontratar o Exército iraquiano, despedir e recontratar professores
universitários do partido Baath e
finalmente, confrontados com
um americano morto por dia,
chamar de volta os capangas que
trabalhavam nos centros de tortura de Saddam para ajudar na batalha contra o "terrorismo".
"Que venham"
Como Bremer reconheceu sem
alarde na semana passada, o Iraque vai exigir "várias dezenas de
bilhões de dólares" só no próximo
ano. A verdade -embora ele não
o tenha dito- é que a Autoridade
Provisória da Coalizão, que Bremer preside e cujos comunicados,
desde o fim da guerra, vêm se tornando cada vez mais insinceros e
incompletos, está prestes a ficar
sem dinheiro. Não surpreende
que Rumsfeld viva nos dizendo
que já tem homens suficiente no
Iraque.
"Que venham", disse Bush no
mês passado, atiçando os guerrilheiros inimigos dos EUA. E eles
aceitaram o desafio.
Até agora não surgiu nenhum
indício de prova de que a mais recente fantasia da administração
Bush -a de que milhares de
combatentes islâmicos estariam
entrando no Iraque para matar
americanos- tenha algum fundamento. Mas pode começar a ter
dentro em breve. E o que nos dirão quando isso acontecer?
Afinal, o Iraque não foi invadido para liquidar o terrorismo, e
não para recriá-lo? Disseram que
o Iraque seria transformado numa democracia -mas, de repente, o país virou campo de batalha
de mais "guerra ao terrorismo".
Agora Bush está dizendo aos
americanos que a América "está
enfrentando terroristas no Iraque
e no Afeganistão ... para que nossa
população não precise sofrer a
violência terrorista em Nova York
ou Los Angeles". Então é isso. Vamos atrair todos esses terroristas
malévolos para o Iraque "libertado" que tanto amamos, e eles, de
maneira prestativa, deixarão a
"pátria" americana em paz. Será
mesmo?
"Os comunicados enviados desde Bagdá chegam com atraso e
são insinceros e incompletos. A
situação é muito pior do que nos
foi dito. Neste momento, não estamos muito distantes do desastre." O autor dessas linhas estava
descrevendo a ocupação britânica
do Iraque, em 1920, atacada pela
guerrilha. Seu nome: Lawrence da
Arábia.
Tradução de Clara Allain
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