|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRISE EM ANGOLA
Ex-colônia portuguesa tem piores índices de mortalidade entre menores de 5; fome mata 200 ao dia
País é pior lugar do mundo para crianças
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
Angola é o pior país do mundo
para uma criança viver, diz recente relatório do Unicef, o fundo das
Nações Unidas para a infância.
Outras entidades internacionais
estimam que pelo menos 200 pessoas por dia morram de fome naquele país da África ocidental.
Missionários fazem relatos dramáticos de pessoas caçando cães e
gatos pelas ruas de cidades angolanas para matar a fome.
O escritório que coordena a assistência humanitária das Nações
Unidas (Ucah) disse, em relatório
do final de agosto, que o país começa a enfrentar "a pior onda de
fome da sua história". Segundo a
Ucah, citando relatos de missionários colhidos por jornalistas,
"há famílias que bebem água fervida com sal, como único recurso
para adiar a morte".
Os missionários contaram também que algumas pessoas vagam
pelas ruas e "pastam como animais, comem raízes de bananeiras e alimentam-se de flores". Essas cenas, segundo os missionários, são o cotidiano na Província
de Huambo, no centro do país.
Angola aparece em primeiro no
ranking do Unicef de risco de vida
para as crianças por, na média, ser
o pior na maioria dos cinco indicadores que medem esse risco.
A ex-colônia portuguesa tem
hoje os piores índices de mortalidade entre menores de 5 anos e as
mais altas porcentagens de crianças com peso abaixo do normal e
fora da escola.
Nove meses depois do reinício
ostensivo da guerra civil que divide o país desde sua independência de Portugal, em 1975, Angola
está à beira de uma das maiores
catástrofes humanas do século 20.
Embora esteja claro que nem o
governo nem os guerrilheiros da
Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola)
têm condições de vitória militar,
seus líderes não parecem muito
dispostos a negociar de novo.
Semana passada, no entanto, o
presidente José Eduardo dos Santos deu sinais de que pode aceitar
de volta representantes das Nações Unidas. Eles estão fora de
Angola desde que o governo os
responsabilizou pelo não-cumprimento, pela Unita, do acordo
de paz de Lusaka, de 1994.
O presidente deu um golpe
branco dentro de seu próprio já
fechadíssimo regime político, no
início do ano, quando eliminou o
cargo de primeiro-ministro e
concentrou em torno de si todos
os poderes políticos do regime.
No campo militar seu sucesso
foi muito menos expressivo. A
Unita controla hoje mais território do que há 12 meses, mantém
sob cerco as principais cidades do
país (exceto Luanda, a capital),
criou pelo menos 1 milhão de novos "deslocados" (refugiados),
que incham os centros urbanos e
deterioram ainda mais as já péssimas condições de vida.
Só 31% da população angolana
(cerca de 11,5 milhões de habitantes) tem atualmente acesso a água
potável. A expectativa média de
vida é de 46 anos. A renda per capita caiu para US$ 260 anuais. O
desabastecimento é geral.
No entanto, Unita e governo
continuam gastando milhões de
dólares em armamentos. A Unita
gera divisas com o comércio ilegal de diamantes produzidos nas
áreas sob seu controle, driblando
os boicotes da ONU contra esse
negócio. O dinheiro do governo
vem da venda de petróleo.
Apesar dos apelos de órgãos ligados à ONU, a comunidade internacional parece indiferente.
O Programa Mundial de Alimentos, por exemplo, fez recente
pedido aos países ricos para conseguir US$ 8,8 milhões.
Só o governo da Holanda respondeu, com US$ 500 mil, quantia -para que se tenha uma noção comparativa- que a marca
de tênis Redley gasta por ano em
patrocínio de atletas no Brasil.
Responsáveis por entidades
que ajudam refugiados na África
dizem que a guerra em Kosovo
prejudicou a captação de donativos. Embora haja na África 20 refugiados para cada 1 na Iugoslávia, os recursos para os europeus
são muito maiores que os para os
africanos. "Kosovo está na TV e
seus refugiados são brancos", diz
Sandra Laumark, dirigente de
uma dessas entidades em Angola.
Texto Anterior: Maior onda de fome ameaça Angola Próximo Texto: Governo rejeita o diálogo e chama Savimbi de criminoso Índice
|