São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
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CRISE EM ANGOLA
Ex-colônia portuguesa tem piores índices de mortalidade entre menores de 5; fome mata 200 ao dia
País é pior lugar do mundo para crianças

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Angola é o pior país do mundo para uma criança viver, diz recente relatório do Unicef, o fundo das Nações Unidas para a infância. Outras entidades internacionais estimam que pelo menos 200 pessoas por dia morram de fome naquele país da África ocidental.
Missionários fazem relatos dramáticos de pessoas caçando cães e gatos pelas ruas de cidades angolanas para matar a fome.
O escritório que coordena a assistência humanitária das Nações Unidas (Ucah) disse, em relatório do final de agosto, que o país começa a enfrentar "a pior onda de fome da sua história". Segundo a Ucah, citando relatos de missionários colhidos por jornalistas, "há famílias que bebem água fervida com sal, como único recurso para adiar a morte".
Os missionários contaram também que algumas pessoas vagam pelas ruas e "pastam como animais, comem raízes de bananeiras e alimentam-se de flores". Essas cenas, segundo os missionários, são o cotidiano na Província de Huambo, no centro do país.
Angola aparece em primeiro no ranking do Unicef de risco de vida para as crianças por, na média, ser o pior na maioria dos cinco indicadores que medem esse risco.
A ex-colônia portuguesa tem hoje os piores índices de mortalidade entre menores de 5 anos e as mais altas porcentagens de crianças com peso abaixo do normal e fora da escola.
Nove meses depois do reinício ostensivo da guerra civil que divide o país desde sua independência de Portugal, em 1975, Angola está à beira de uma das maiores catástrofes humanas do século 20.
Embora esteja claro que nem o governo nem os guerrilheiros da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola) têm condições de vitória militar, seus líderes não parecem muito dispostos a negociar de novo.
Semana passada, no entanto, o presidente José Eduardo dos Santos deu sinais de que pode aceitar de volta representantes das Nações Unidas. Eles estão fora de Angola desde que o governo os responsabilizou pelo não-cumprimento, pela Unita, do acordo de paz de Lusaka, de 1994.
O presidente deu um golpe branco dentro de seu próprio já fechadíssimo regime político, no início do ano, quando eliminou o cargo de primeiro-ministro e concentrou em torno de si todos os poderes políticos do regime.
No campo militar seu sucesso foi muito menos expressivo. A Unita controla hoje mais território do que há 12 meses, mantém sob cerco as principais cidades do país (exceto Luanda, a capital), criou pelo menos 1 milhão de novos "deslocados" (refugiados), que incham os centros urbanos e deterioram ainda mais as já péssimas condições de vida.
Só 31% da população angolana (cerca de 11,5 milhões de habitantes) tem atualmente acesso a água potável. A expectativa média de vida é de 46 anos. A renda per capita caiu para US$ 260 anuais. O desabastecimento é geral.
No entanto, Unita e governo continuam gastando milhões de dólares em armamentos. A Unita gera divisas com o comércio ilegal de diamantes produzidos nas áreas sob seu controle, driblando os boicotes da ONU contra esse negócio. O dinheiro do governo vem da venda de petróleo.
Apesar dos apelos de órgãos ligados à ONU, a comunidade internacional parece indiferente.
O Programa Mundial de Alimentos, por exemplo, fez recente pedido aos países ricos para conseguir US$ 8,8 milhões.
Só o governo da Holanda respondeu, com US$ 500 mil, quantia -para que se tenha uma noção comparativa- que a marca de tênis Redley gasta por ano em patrocínio de atletas no Brasil.
Responsáveis por entidades que ajudam refugiados na África dizem que a guerra em Kosovo prejudicou a captação de donativos. Embora haja na África 20 refugiados para cada 1 na Iugoslávia, os recursos para os europeus são muito maiores que os para os africanos. "Kosovo está na TV e seus refugiados são brancos", diz Sandra Laumark, dirigente de uma dessas entidades em Angola.


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