São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
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O GUERRILHEIRO
Jonas Savimbi diz não crer em saída militar para o conflito
Líder da Unita diz querer negociação com o governo

STEPHEN SMITH
do "Libération", em Andulo, Angola

Aos 65 anos, Jonas Savimbi, chefe da rebelião angolana, é um homem sozinho, proscrito pela comunidade internacional, que promulgou sanções para cortar os suprimentos do movimento guerrilheiro Unita (União Nacional pela Independência Total de Angola) e, sobretudo, para impedir que ele venda seus diamantes, força motriz da guerra.
Antigo aliado dos EUA e da África do Sul dos tempos do apartheid, Savimbi hoje é um renegado com quem a ONU rompeu qualquer contato há um ano. Há nove meses seu movimento não dominava mais do que quatro cidades de importância menor no planalto central de Angola, mas hoje já controla dois terços do país.
Um olhar sobre o mapa de Angola revela o problema fundamental dessa ex-colônia portuguesa que, durante a Guerra Fria, não passou de um teatro de operações substituto: dos dois lados em conflito, um tem presença maior nas cidades, estando implantado essencialmente no litoral do país, enquanto o outro domina o interior pouco desenvolvido. O governo dispõe do petróleo, extraído em plataformas marítimas por empresas ocidentais. A Unita explora parte das minas de diamantes angolanas. Cada lado fica encerrado em seu próprio mundo, e Jonas Savimbi não falava com alguém de fora havia dois anos.
 

Pergunta - A ONU o considera o "principal responsável" pela guerra civil em Angola. Desde 1986, quando Ronald Reagan o condecorou e o qualificou de "combatente da liberdade", seu prestígio internacional caiu muito.
Jonas Savimbi -
Como os Estados não têm amigos ou inimigos, só interesses, deduzo que os interesses de meus amigos de ontem mudaram. Hoje em dia sou boicotado, sou impedido de viajar, sou tratado como pária.
Mas os interesses em conflito em Angola não mudaram. E meu prestígio junto à população continua intacto. Aqui em Angola as pessoas riem muito do que se diz e se decide lá fora.

Pergunta - Foi a mudança de aliança dos EUA que levou a comunidade internacional a seguir o mesmo caminho?
Savimbi -
Tudo indica que sim. Até 1988, servíamos para combater os cubanos e os russos em Angola. E, sem falsa modéstia, quando comparados à Nicarágua e ao Afeganistão, éramos os melhores "combatentes da liberdade" para o Ocidente.
Mas, quando os cubanos e os russos foram embora, a Unita deixou de ter utilidade para os Estados Unidos. Desde a virada americana, em 1992, só nos procuram para pedir que eu assine a rendição da Unita, para que consinta com sua liquidação política, quando não física. O acordo de paz de Lusaka, em 1994, foi uma armadilha. Dizia: "Entregue suas armas, seu território, sua vida e, em troca, eu lhe darei o Ministério do Turismo".

Pergunta - O governo voltou a combater a Unita desde dezembro, mas sua ofensiva atolou. Definitivamente?
Savimbi -
Nunca se sabe o que o inimigo vai fazer. Mas tenho a impressão que o presidente Santos, não tendo conseguido nos destruir, procura agora criar uma relação de forças que seja mais favorável para ele.
O problema é: onde e quando vamos parar? Ele relançou sua ofensiva e dispõe de meios militares consideráveis, apesar de estar sendo prejudicado pelo alto número de deserções.
De nosso lado, também estamos empenhando nossas forças na batalha. Acho que Santos já foi longe demais. Ele pôs em risco seu próprio poder. Ele precisa ganhar terreno, para depois poder negociar. Nós, pelo contrário, estamos prontos para negociar a qualquer hora, desde já. Não existe solução militar para o conflito angolano. É preciso colocar os problemas sobre a mesa. Para evitar a catástrofe, precisamos negociar.

Pergunta - A ONU já fala de uma catástrofe humana, e o governo de Luanda acusa a Unita de expulsar a população civil das áreas que controla.
Savimbi -
É um absurdo. O governo procura esvaziar nossas zonas, retira a população à força quando suas tropas são obrigadas a recuar. O mundo vê imagens de sofrimento, fome, da dor dos refugiados.
Mas para onde vai a ajuda? Em primeiro lugar, é enviada apenas para um lado no conflito, sendo que nós controlamos entre 60% e 70% do país, onde vive metade da população. Em segundo lugar, a ajuda alimentar é muito desviada. Nas áreas sob nosso controle não existe desnutrição. Em lugar de lançar apelos à ONU, levamos nossas responsabilidades a sério.

Pergunta - Mas o Programa Alimentício Mundial afirma que 1,5 milhão de angolanos que vivem nas áreas controladas pela Unita passam fome.
Savimbi -
Mas o que eles sabem sobre isso? Nunca vieram para cá. Muita coisa nos falta devido às sanções, sobretudo medicamentos. Mas ninguém está passando fome.

Pergunta - Dizem que o senhor é obcecado pela idéia de tornar-se presidente de Angola. Mas aos 65 anos, 30 passados na mata, o senhor ainda crê nessa possibilidade?
Savimbi -
Minha motivação profunda nunca foi chegar à Presidência da República. Minha missão é conquistar alguma coisa para aqueles que confiaram em mim. É por isso que nunca puderam me comprar, me corromper, me prometendo uma aposentadoria numa bela mansão em algum lugar do mundo. Quero que as pessoas se recordem do que eu disse, do que escrevi, do que teimei em fazer. E lhe confesso uma coisa: quando a Unita tomar o poder -e esse dia chegará, não duvido por um instante- será preciso que um jovem assuma o trabalho enorme que será governar Angola. Tenho saúde ótima, mas não estou mais em idade para trabalhar 18 horas por dia. Então ficarei por aqui, no meu lugar, para servir de conselheiro. Não penso em mim, mas na Unita, que tem o direito histórico de governar este país.


Tradução de Clara Allain


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