São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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A TERRA DE HAIDER
Província da Caríntia se considera bastião germânico

LUCAS DELATTRE
do "Le Monde", em Klagenfurt

Um clima de desconfiança e intimidação se instalou na pequena Província da Caríntia. "Arrependo-me de ter aberto as portas da política a Joerg Haider", disse na última terça-feira o político de 68 anos que foi o primeiro a vislumbrar os dons do novo homem forte austríaco.
Foi em 1976 que Mario Ferrari-Brunnenfeld, então presidente do Partido da Liberdade na Caríntia, chamou Joerg Haider para ser seu segundo em comando. O "padrinho" se tornou uma das primeiras vítimas de seu jovem protegido, que tomou seu lugar em 1986. Desde então, Haider não parou mais de aumentar seu poder.
Essa pequena Província de 520 mil habitantes e que faz fronteira com a Eslovênia é a base política de Haider. Em Klagenfurt, a capital, as pessoas não entendem as reações de toda a Europa pela chegada ao poder de um partido de extrema direita. A opinião majoritária é que a experiência vivida com Haider não justifica as acusações contra ele vindas do exterior.
Eleito governador da Província pela primeira vez em 1989, ele foi obrigado a renunciar em 1991, depois de elogiar a política de emprego adotada no Terceiro Reich. Reeleito no ano passado, Haider hoje dirige a Caríntia à frente de um governo no qual são representados os dois outros partidos tradicionais, o Social Democrata e o Partido Popular.
Por enquanto, a Caríntia ainda não é um miniestado totalitário. O Estado de Direito é respeitado, e os direitos humanos também, ao menos formalmente. Um dos anúncios de Haider -o de que iria dotar estrangeiros de um documento de identidade diferente do usado pelos austríacos, com lugar para a impressão digital do portador- não se concretizou.
A minoria eslovena (cerca de 2% da população da Caríntia) não se sente à vontade na região. As escolas mistas, com aulas em alemão e esloveno, são desfavorecidas, e os pais são fortemente incitados a escolher uma ou outra língua para os filhos. Na prática, a política favorece escolas alemãs.
O que mudou com a chegada ao poder da extrema direita foi sobretudo o clima geral. "Quando você diz em público que discorda de alguma coisa, as pessoas olham feio", explica Elizabeth Steiner, correspondente em Klagenfurt do jornal liberal "Der Standard". "Às vezes me acusam de trabalhar para um jornal judeu (o dono do 'Standard", Oskar Bronner, é judeu)."
O Holocausto não é um tema do qual se fala. Não existe comunidade judaica, e os dirigentes de todos os partidos costumam admitir certa admiração pelo Terceiro Reich. "Tenho orgulho de ter participado da Juventude Hitlerista", disse o social-democrata Leopold Wagner, um dos antecessores de Haider no governo da Província.
Vista de Klagenfurt, a história parou em 1920. Nesse ano os habitantes da Caríntia decidiram, após referendo popular, que a região faria parte da Áustria, e não da Iugoslávia. Até hoje a Caríntia se vê como bastião avançado da cultura germânica nos confins do mundo eslavo, como se a luta armada dos anos 1918-1920 nunca tivesse terminado. Todo ano, em 10 de outubro, o aniversário do referendo é comemorado, com a presença de veteranos da SS, tropa de elite nazista.
"Viena nos abandonou em 1918" -é esse o refrão da política na Caríntia. A Província desconfia da capital do país e odeia seu cosmopolitismo elegante. Hoje, em nome de um provincianismo militante, é fácil para Haider denunciar a arrogância de Bruxelas. Apesar disso, deve agir com prudência: no referendo de 1994 que decidiu pela entrada da Áustria na União Européia, 70% dos eleitores da Caríntia votaram a favor.


Tradução de Clara Allain


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